A recuperação da economia, no Brasil e no mundo, tem passado por um período de sinais contrastantes. É dos Estados Unidos que vêm os principais indicadores dessa tendência — e que mais podem nos afetar. Enquanto a economia americana gerou 390 mil postos de trabalho em maio (as previsões eram de 328 mil) e a taxa de desemprego está em um dos níveis mais baixos da história (3,6%), a inflação atingiu 8,6% no mesmo mês (considerando os últimos 12 meses), o patamar mais alto desde dezembro de 1981.
Que consequências esse cenário pode gerar? O Federal Reserve (Fed) encontra um ambiente em que pode e deve elevar sua taxa básica de juros. Por um lado, a persistência da alta de preços torna necessário um aperto monetário para contê-lo. Por outro, a economia vai muito bem e, portanto, a elevação dos juros não geraria tantos danos ao crescimento do país. Foi com base nessa interpretação que o mercado se comportou no fim da última semana. Assim que foi divulgado o resultado do CPI, na sexta-feira (10), bolsas de valores de todo o mundo (em especial as do Brasil e da Europa) começaram a operar em queda e fecharam o dia com resultados negativos.
Isso ocorre porque nesta quarta-feira (15) o Fed deverá elevar a taxa de juros em 0,50 ponto percentual, já influenciado pelos dados citados anteriormente. Há previsões, inclusive, de que esse ciclo de altas deverá se estender até setembro. Os títulos públicos dos EUA são considerados um investimento seguro pelo porte da economia norte-americana, e, com esses papéis pagando mais, eles se tornam uma espécie de centro de gravidade para o capital global, atraindo investidores de todo o mundo e provocando uma fuga de dinheiro de diversas economias, sobretudo emergentes, como o Brasil.
Roteiro semelhante se projeta para a Europa. A inflação na zona do euro alcançou 8,1% nos últimos 12 meses terminados em maio, valor bem acima das projeções, que cravavam 7,7%. Por isso, o Banco Central Europeu também deve elevar suas taxas de juros, que atualmente estão em 0%.
Essas notícias não vêm em boa hora para o Brasil. Por aqui, começamos a ensaiar uma ligeira melhora nos indicadores. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) finalmente desacelerou para 0,47% no último mês após uma sequência acima de 1% em fevereiro, março e abril. Isso pode sinalizar que o pico da inflação brasileira ocorreu em abril, porém, a alta dos preços continua disseminada por quase todos os grupos que compõem o indicador: o único a registrar queda foi habitação, graças à energia elétrica. Maio foi o primeiro mês em que a bandeira tarifária verde vigorou durante todo o período.
O Produto Interno Bruto, por sua vez, cresceu 1% no primeiro trimestre de 2022, em relação ao período equivalente anterior, e 1,7% na variação anual. Trata-se, portanto, do terceiro resultado positivo seguido e que está 1,6% acima do PIB registrado no quarto trimestre de 2019 (o último antes da pandemia), demonstrando que tem havido uma recuperação consistente, ainda que lenta. O emprego avança em velocidade semelhante e, em abril, caiu para 10,5%, mas a renda dos trabalhadores ainda está 7,5% abaixo dos níveis pré-pandemia, segundo o IBGE.
A nossa recuperação após o período mais grave da pandemia, como se vê, ainda é parcial. Agora, com a política econômica americana mais dura, virão novos desafios. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) prevê que a economia brasileira deve crescer 0,6% este ano, um quinto da média mundial, estimada em 3%.
Uma possível boa notícia é a retração dos casos de Covid-19 na China, que tem permitido uma flexibilização das medidas de contenção e uma reabertura da economia — o que já reflete em alguns índices. Esse fator contribuiu bastante para a alta da inflação em diversos lugares e, com o alívio, espera-se menos um vilão pressionando os preços. Mais um dado a se acompanhar nos próximos meses.
Por Rodrigo Sodré, economista e sócio da BRA