O projeto de lei complementar entregue pelo Governo ao Congresso Nacional largamente descreve o que foi inicialmente proposto no dia 30/mar pelo ministro Haddad. Os números do mecanismo encontram-se lá:
• crescimento real (além da inflação) de despesas limitados a 70% do crescimento real de receitas, com banda de +/- 0,25%;
• os 70% (item acima) caem para 50% em anos que no ano anterior não tiver havido o cumprimento da meta;
• as despesas terão crescimento real sempre entre o intervalo de 0,6% a 2,5%.
O último item do mecanismo é o mais problemático porque mesmo em anos de queda da arrecadação, estaremos com o pé no acelerador de gastos do governo que crescerão além da inflação em 0,6%.
Isso potencialmente, em uma recessão grave, piorará o equilíbrio orçamentário e nos fará demorar muito mais tempo para voltar ao equilíbrio, aumentando em tais anos o endividamento do país. Para se ter uma comparação, após a crise gerada por Dilma, veio o “teto de gastos” no governo Temer, que ajudou o primário a voltar em x anos (veja gráfico abaixo).
Excluindo o ano da COVID-19 (2020), a linha após começar a afundar em 2014, só foi ficar positiva em 2022, ou seja, levaram 8 anos para corrigir o problema, fazendo com que as despesas subissem apenas com a inflação. Agora imaginem as despesas subindo com inflação + 0,6% todo santo ano? Potencialmente ainda estaríamos hoje em déficit e com um endividamento maior que o atual.
Dessa forma, a tal da regra anticíclica não contempla um real ajuste em momentos mais difíceis e fica na expectativa de que o excedente de bons anos, nos quais as receitas crescerão mais que os 2,5% serão de alguma forma sabiamente acumulados para serem usadas no momento das vacas magras (premissa difícil de acreditar no atual momento e com o apetite por gastos demonstrada pelo atual governo).
Além da primeira análise acima, outra questão interessante é que o Anexo de Metas Fiscais do P LOA evidenciará para 10 anos o efeito esperado das metas sobre a trajetória da dívida pública. Considerando que somos um país que funciona de 4 em 4 anos (ciclo eleitoral), essa pode ser uma desculpa para o governo corrente não cumprir dentro dos seus 4 anos de eleição a meta da trajetória da dívida publica, simplesmente declarando que ela convergirá após o horizonte de seus 4 anos. Cabe lembrar que há metas anuais e projeção para os 3 anos subsequentes de resultado primário do Governo Central.
Há uma série de exclusões entre as despesas, mais especificamente 13 itens. Entre eles destacamos:
- transferências constitucionais estabelecidas (ie royalties de petróleo, impostos a serem transferidos da União para Estados e Municípios, dotações relativas ao ensino/educação),
- Créditos extraordinários — cabe ressaltar que créditos suplementares ou especiais encontram-se inclusos no total do resultado e portanto, sujeitos ao novo arcabouço fiscal;
- despesas com enfermeiros e toda essa categoria (cumprimento dos pisos nacionais salariais);
- projetos socioambientais,
- despesas de universidades públicas federais,
- despesas com precatórios;
- despesas eleitorais
- despesas com aumento de capital de EMPRESAS ESTATAIS;
- transferências legais com venda de imóveis e concessões florestais
- despesas com cobrança pela gestão de recursos hídricos da ANA.
A lista é grande de exceções. Algumas conhecidas como a dos ‘enfermeiros’ e outras novas, como a do aumento de capital das estatais.
Há também uma série de exclusões no que se consideram receitas, entre as principais, destacamos:
- Receitas primárias com concessões;
- Receitas primárias com dividendos e participações;
- Receitas primárias com exploração de recursos naturais;
- Transferências legais e constitucionais por repartição de receitas primárias, descontadas as anteriores;
No caso das exceções de receitas, percebe-se claramente a iniciativa do governo em poder usar fora da regra do arcabouço as receitas extras com concessões, as advindas das estatais (já padrão conhecido do PT) e da exploração de nossas commodities (algo que fazemos com excelência como país).
Por fim, o mecanismo também apresenta uma salvaguarda para aumentar as dotações orçamentarias para investimentos que virá de eventuais excedentes do resultado primário. Esse excedente a ser capturado, caso ocorra, será limitado a R$ 25 bilhões.
Há de se louvar a iniciativa e velocidade do governo em apresentar e entregar tal proposta. Agora é com o congresso. Esperamos que as discussões ocorram com sobriedade e que ainda esse ano a regra seja positivada. Esperamos ainda que o piso de +0,6% seja melhor debatido para que não entremos em eventuais espirais negativas de aumento de dívida, simplesmente porque o novo “arcabouço” assim permitiu. Agora é a hora de discutir tais regras com parcimônia, temperança e sabedoria para nosso futuro.
Por Rodrigo Correa, estrategista chefe e sócio da Nomos