A publicação feita pela Transparência Internacional sobre a posição do Brasil no Índice de Percepção de Corrupção (IPC), de 2021, reflete a conjuntura atual do país e permite a reflexão acerca de questões estruturais que a população, em regra, deixa de considerar.
Em ano de eleição, momento em que os brasileiros novamente tomarão decisões que influenciarão o futuro nacional, é importante analisar o que os referidos dados sinalizam.
Em termos relativos, o Brasil não ocupa uma boa posição, pois está na nonagésima sexta colocação em um ranking composto por cento e oitenta países. Ademais, a pontuação atingida pelo país (38) está abaixo da média dos países que integram o G20 (54), a América Latina e Caribe (41) e os BRICS (39).
É preocupante o fato de que, embora tenha igualado a nota de 2020 e melhorado em relação aos números de 2018 e 2019 (35, em ambos os períodos), esteja razoavelmente distante dos quarenta e três pontos obtidos nos já longínquos anos de 2012 e 2014.
Naquela época, a percepção era mais positiva, embora a sociedade brasileira estivesse em ebulição, período próximo à eclosão dos movimentos de rua de 2013 e que, em certa medida, tiveram duração estendida até o processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff, em 2016.
Sob a ótica conjuntural, nota-se que há maior sensação de existência de corrupção atualmente, como apontam os números já referidos. O fim da Operação Lava Jato e as consequências (políticas e jurídicas) que advieram de tal cenário podem compor, em parte, a explicação para a mencionada percepção, mas não são suficientes.
O comportamento corrupto, endêmico na história nacional, não está intrinsecamente ligado à esquerda ou à direita, como algumas pessoas querem fazer crer.
Ligada à conduta humana em maior ou menor grau, a depender do contexto cultural de cada sociedade, a corrupção viceja em territórios nos quais as instituições não são moldadas de forma a representar efetivo óbice a desvios morais na vida pública.
O arcabouço institucional, pouco valorizado no Brasil historicamente, pode ser vislumbrado como causa e efeito do ambiente corrompido que permeia o país.
É causa, pois não é eficaz no combate aos comportamentos desviantes dos agentes públicos, dada a frequente subordinação da análise de aspectos técnico-jurídicos dos casos suspeitos à visão político-ideológica do intérprete; é efeito, pois a edição de normas parece ser realizada de forma a não contribuir para a edificação de realidade pautada pela noção de dignidade.
As instituições assim moldadas podem servir como elemento indutor de condutas corruptas, além de reforçar a atuação de pessoas que eventualmente queiram agir de má-fé na área pública. A decomposição do valor da vida social é, desse modo, continuamente nutrida em um ciclo de vício comportamental permitido (causa) e fomentado (efeito) institucionalmente.
A corrupção produz efeito deletério no ambiente democrático, pois diminui a percepção da comunidade quanto à importância das estruturas participativas na vida prática das pessoas, algo que é comprovado pela ascensão, em várias partes do planeta, de uma visão populista (de direita e de esquerda), a qual é caracterizada pela proposição de soluções simples para problemas complexos, com ênfase no carisma de alguma figura política.
Na seara econômica, o comportamento corrupto é igualmente nocivo, dado que implica maiores custos de transação aos investidores nos diversos momentos de atuação no mercado, com impacto negativo sobre o ambiente de segurança jurídica do país e, consequentemente, menor atratividade de capitais e redução da possibilidade de geração de riquezas.
Não é possível analisar o comportamento corrupto em geral (e do agente público, em especial) como algo de menor importância em ano de eleição, mantendo o foco somente na questão econômica, dada a sofrível situação em que se encontra, na média, a população brasileira, sobretudo em contexto pandêmico.
A degeneração moral no campo político atinge a estrutura da democracia e da economia, muitas vezes compondo parcialmente a origem dos problemas. A população está diante de um falso dilema: a corrupção não é só um detalhe.
Elton Duarte Batalha é advogado, doutor em Direito pela USP e professor de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.