Um levantamento do Datafolha divulgado ontem pela Folha de S. Paulo trouxe à tona a insatisfação crescente da população com o funcionalismo público no Brasil e a urgência de uma reforma administrativa. Segundo a pesquisa, 80% dos brasileiros apoiam a demissão de servidores por mau desempenho, enquanto apenas 41% aprovam os serviços prestados pelo Estado.
O editorial de primeira página da Folha criticou a estabilidade dos servidores, que alcança 65% no Brasil – e chega a 70% no âmbito federal –, afirmando que a prática dificulta a gestão de pessoal. “A estabilidade torna extremamente difícil gerir o quadro de pessoas – seja por mau desempenho, obsolescência da função ou até para simples ajuste da máquina estatal”, destacou o texto.
Além disso, a pesquisa do Datafolha revelou que 71% dos entrevistados são favoráveis a uma reforma administrativa. No mesmo levantamento, os melhores serviços avaliados foram escolas e creches, com aprovação de 55%, enquanto agências do INSS e da Receita Federal obtiveram apenas 33%.
Funcionários públicos também apoiam mudanças
A pesquisa incluiu servidores públicos, e os resultados surpreenderam. Entre os entrevistados do funcionalismo, 74% também apoiam a demissão por mau desempenho. Especialistas interpretam o dado como um sinal de abertura dentro da categoria para uma reforma administrativa que contemple critérios de performance e premiações para servidores mais produtivos.
“Os dados indicam que mesmo os servidores reconhecem a necessidade de modernização e maior eficiência no setor público”, afirmou o economista Pedro Lopes, especialista em gestão pública. “Esse é um momento chave para discutir não apenas cortes, mas também a reestruturação do Estado com foco em resultados.”
Comparação internacional reforça distorções
O editorial da Folha destacou que, em países como a Suécia, apenas 1% dos servidores públicos têm estabilidade. Essa diferença, segundo o texto, contribui para criar “feudos” no Brasil, incentivando a leniência e dificultando a implementação de mudanças.
A má distribuição de recursos humanos também foi alvo de críticas. Setores como o Legislativo e o Judiciário apresentam excesso de pessoal em áreas administrativas, enquanto instituições estratégicas como o Banco Central, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e agências reguladoras enfrentam carência de mão de obra qualificada.
Cenário de crise fiscal amplifica debate
O debate sobre o funcionalismo público ganha ainda mais relevância diante da crise fiscal enfrentada pelo país. Com um déficit elevado e uma dívida pública crescente, a população tem cobrado cortes de gastos e maior eficiência na gestão estatal. Atualmente, o Brasil consome cerca de um terço de sua renda nacional em impostos, um índice considerado alto.
“A insatisfação da população com os serviços públicos é alarmante e não condiz com o alto custo da máquina estatal”, avaliou a cientista política Mariana Alves. “A reforma administrativa é um passo necessário para corrigir essas distorções e garantir que o Estado seja mais eficiente e menos oneroso.”
Reforma administrativa: o que está em jogo
Especialistas apontam que uma reforma administrativa pode trazer maior flexibilidade para contratar e demitir servidores, além de mecanismos para avaliar desempenho. No entanto, medidas mais profundas, como a revisão do sistema de estabilidade, enfrentam resistência de grupos políticos e sindicais.
“Precisamos de coragem para enfrentar os lobbies e promover mudanças estruturais”, defendeu o professor de administração pública João Ribeiro. “Sem uma reforma, o Estado continuará ineficiente e sobrecarregado, penalizando a sociedade.”
O debate sobre a reforma administrativa deve ganhar força nos próximos meses, especialmente em um contexto de maior pressão por parte da população e do setor privado para reduzir impostos e melhorar os serviços prestados. A próxima etapa, segundo analistas, dependerá da articulação política no Congresso e do apoio da opinião pública para viabilizar as mudanças necessárias.