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A cilada anunciada pelo Novo Mercado da B3

Segmento deixa investidores expostos a promessas de maior segurança sem que essa garantia seja cumprida pelas companhias listadas.

Foto/Reprodução GDI
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Segmento deixa investidores expostos a promessas de maior segurança sem que essa garantia seja cumprida pelas companhias listadas.

Apresentado como um “selo de qualidade” aos investidores, o Novo Mercado B3 ainda não demonstrou a que veio e nem significa maior segurança a quem investe. Pelo contrário, tem induzido os investidores a perdas ao registrar inúmeros casos de escândalos e abusos aos minoritários. Esta é a avaliação de advogados, analistas e consultores de governança corporativa.

Lançado em 2000, após uma crise de desconfiança sobre o mercado no final da década de 1990, o Novo Mercado foi criado para a negociação de ações de empresas que adotem, voluntariamente, práticas de governança corporativa exigidas pela legislação brasileira. Atualmente, 42 empresas estão neste grupo e muitas deixam a desejar quando o assunto é respeito ao minoritário. “A realidade é que, embora ele apresente avanços na governança corporativa, é um erro acreditar que estas medidas se traduzam em um nirvana corporativo onde não existam problemas”, afirma o analista independente Ricardo Schweitzer.

O exemplo mais claro disso é o caso das Americanas (AMER3), antes listada no segmento especial de governança corporativa, a empresa é investigada por fraudes. Quando veio à tona o rombo, as ações despencaram de R$ 12,00 para R$ 2,72 e hoje estão cotadas a menos de R$1,00. “O Novo Mercado não impede fraudes contábeis. Esses eventos fazem com que o valor dos papéis caia de da noite para o dia, levando muitos investidores a perdas inestimáveis”, destaca Adilson Bolico, advogado especializado na defesa dos investidores minoritários e sócio da Mortari Bolico Advogados.

O especialista em governança corporativa, Roberto Gonzalez, lembra que foi justamente uma fraude que inspirou todo o avanço regulatório.

“Como consequência da derrocada da Enron, em 2002, foi criada a lei Sarbanes-Oxley que aumentou a exigência de transparência corporativa, com o objetivo de evitar novos casos de crime e fraudes fiscais. O mercado brasileiro acompanhou o movimento do americano, e muitas mudanças ocorreram, principalmente através da autorregulação. No entanto, como se pode ver, o cerco não foi suficiente”, alerta.

Além de IRB e Americanas, muitos outros casos têm gerado perdas aos investidores, como o que ocorreu com a Eletromídia (ELMD3). Uma alteração-relâmpago do estatuto beneficiou a Globo, permitiu que o conglomerado de mídia aumentasse sua participação na empresa a toque de caixa, sem que os demais acionistas sequer soubessem os termos da transação anteriormente firmada com o acionista controlador.

“A medida privou investidores minoritários de vender os seus papéis com prêmio em relação ao preço de mercado”, diz Schweitzer.

Houve também o embate entre minoritários e a holding imobiliária Nexpe (NEXP3), antiga BR Brokers. Pouco antes de pedir recuperação judicial, a empresa levantou empréstimo junto a seu acionista controlador, o fundo Cerberus Capital Management, dando como garantia as quotas de participação na única empresa saudável do grupo – a Credimorar. Enquanto o controlador reservou a empresa saudável para si, os minoritários sofreram fortes perdas ao se deparar com uma empresa esvaziada.

Outro exemplo foi a Mitre (MTRE3), que recentemente queimou sua reputação no mercado em apenas um dia, aprovando quase na marra em seu Conselho a aquisição de imóveis de propriedade do acionista controlador cujas características fogem completamente do escopo de atuação da empresa.

Por último, há o polêmico caso da GetNinjas (NINJ3): dois anos após ter feito IPO, o CEO e fundador decidiu devolver quase todo o caixa aos acionistas por meio de uma redução de capital.

“O próprio CEO foi francamente beneficiado com a operação. Após ter embolsado pouco mais de R$40 milhões entre ações vendidas no IPO e a remuneração por seu cargo executivo desde então, Eduardo L’Hotellier, deve ter levado mais R$42 milhões para casa. Dinheiro injetado na empresa por acionistas minoritários, que para ele esperavam melhores destinações do que o bolso do fundador”, destaca o analista Schweitzer.

Tais casos deixam claro que a segurança proposta pelo segmento sob a égide de que “o mercado se autorregula” deve ser questionada. “A forma como o segmento é vendido hoje ao investidor consiste numa falácia. É uma mentira bem contada que leva a muitos a preferirem investir na empresa porque ela conta com um ‘selo de qualidade’ ao pertencer ao Novo Mercado”, afirma Bolico.

Schweitzer reconhece que o selo de qualidade do Novo Mercado traz algumas evoluções significativas, mas não inibe problemas. Ele acredita que o erro é acreditar que as medidas serão o suficiente para burlar eventuais fraudes. 

“Faço uma analogia com o cinto de segurança: no passado o seu uso era facultativo, atualmente é obrigatório usar o cinto, o airbag e o freio ABS, mas continuam existindo acidentes e vítimas. Da mesma forma, mesmo com as exigências do Novo Mercado, minoritários continuarão sendo lesados”, descreve o analista.

Para Gonzales, o fato é que Governança Corporativa é um processo que vem de dentro para fora. “Exigências de controle ou transparência pelos órgãos reguladores são um passo importante, mas só um passo. Evitar fraudes que possam pôr em risco a longevidade do negócio exige que a companhia tenha a Governança Corporativa como princípio”. observa.

Algumas falácias

O selo do Novo Mercado vem coberto de exigências que, na prática, não fazem tanta diferença como medida de proteção ao investidor ou podem significar até o contrário, quando se pensa em direito dos minoritários. Uma delas é o famoso “tag long” – que equaliza os direitos do minoritário aos do controlador em um cenário de alienação da companhia. “Na teoria, é muito bonito, mas na prática as companhias usam de diversas artimanhas para burlar tal obrigatoriedade”, observa Schweitzer.

Na mesma direção está a visão de que a deter somente ações ordinárias garante alguma proteção adicional em relação às preferenciais. Mas para desfazer este argumento, basta observar que todos os cases listados anteriormente eram de empresas que só negociavam ações ordinárias.

“No final do dia, todos esses jargões apenas encobrem uma enorme preguiça de fazer o trabalho de verdade: averiguar a real eficácia das estruturas de governança das empresas e o histórico de conduta dos envolvidos. E ressalto: esse trabalho mitiga riscos, mas também não representa garantia de absolutamente nada”, diz Schweitzer.

A maior mentira de todas é de que a Câmara de Arbitragem do Mercado é um instrumento que oferece maior proteção ao minoritário. “O fato é que sua utilização é muito dispendiosa, os custos são inalcançáveis para os minoritários, inibindo o acesso e afastando o pequeno investidor de um justo exercício de direitos de ressarcimento. Para se ter uma ideia, somente o valor dos honorários arbitrais é de R$ 1.200,00 por hora trabalhada e a secretaria da Câmara de Arbitragem poderá solicitar às partes adiantamentos dos mais variados. É muito comum os custos de arbitragem ultrapassarem R$ 1 milhão”, alerta Bolico.

O advogado acrescenta que, diante dos elevados custos, sem contar com a falta de conhecimento sobre como ocorre um processo arbitral e sobre a matéria societária e do mercado de capitais, fica praticamente impossível que um investidor com prejuízos menores, abaixo das casas dos milhões, busque seus direitos de ressarcimento. “Não há um tribunal de pequenas causas como alternativa. Assim, ao invés de ser um mecanismo rápido, especializado e acessível aos investidores para solucionar problemas no mercado, a obrigatoriedade da arbitragem como solução de disputas e a Câmara da B3 como palco para tanto acaba se tornando um escudo para as companhias do Novo Mercado”, lamenta.

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