Uma nova proposta do Banco Central do Brasil (BC) está causando tremor no mercado de criptomoedas e pode ter consequências inesperadas. A Consulta Pública 111 (CP 111) sugere proibir que usuários guardem suas stablecoins (criptomoedas pareadas a moedas como o dólar) em carteiras próprias, a chamada “auto custódia”. Mas a ideia, que parece simples, pode gerar um efeito dominó e “expulsar” esses ativos do país.
O alerta foi dado por especialistas durante o Smart Summit, evento de tecnologia que rolou no Rio de Janeiro. No painel “Perspectivas Regulatórias 2025: mercado de criptoativos em transformação”, a advogada Nicole Dyskant e o jurista Fábio Cendão detonaram a proposta do BC, apontando falhas que podem prejudicar empresas brasileiras e, no fim das contas, os próprios usuários.
Entendendo a Polêmica: O Que a CP 111 Propõe?
A regra proposta pelo Banco Central é clara: proibir a transferência de stablecoins que estão guardadas em empresas de ativos virtuais (as chamadas VASPs, como exchanges) para carteiras de auto custódia, aquelas que o próprio usuário controla, como uma MetaMask ou Ledger.
O problema, segundo Dyskant, é que a regra é contraditória. O BC permite que os usuários retirem Bitcoin e outras criptomoedas para suas carteiras, mas barra as stablecoins. Essa diferença de tratamento pode criar distorções no mercado e, pior, incentivar o uso de exchanges descentralizadas (DEX), que estão fora do alcance do regulador brasileiro.
“Se o usuário quiser manter stablecoins em auto custódia, basta abrir uma conta em uma exchange estrangeira”, explica Dyskant.
Ou seja, a regra pode acabar empurrando um volume enorme de stablecoins para fora do Brasil, exatamente o oposto do que o Banco Central pretende.
E a coisa não para por aí. Fábio Cendão lembra que os usuários podem contornar a proibição de forma simples e barata. Basta transferir Ethereum para a rede Base (uma rede alternativa) e converter em stablecoins por uma fração de centavo. “Com custos tão baixos, as DEX se tornarão alternativas viáveis para operações que o Banco Central deseja limitar”, afirma.
O próprio presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, reconheceu a importância das stablecoins no mercado brasileiro. Elas representam nada menos que 90% de todas as operações com criptoativos no país. Mas a nova regra pode reduzir drasticamente a participação de empresas nacionais nesse setor.
Críticas de Todos os Lados
As críticas à CP 111 não vêm só dos especialistas em cripto. O deputado Áureo Ribeiro (Solidariedade-RJ) alertou, durante o evento Blockchain.Rio, que a regra pode “matar o ecossistema cripto” no Brasil, comprometendo a descentralização e afastando investimentos.
A Associação Brasileira de Câmbio (ABRACAN) também se manifestou contra a medida, argumentando que ela restringe o mercado e impede a participação de empresas de câmbio tradicionais.
Se a CP 111 for implementada, o resultado pode ser um setor de criptoativos enfraquecido no Brasil e uma migração em massa de capital para plataformas estrangeiras, sejam exchanges centralizadas ou plataformas DeFi.
O debate está longe de terminar, mas a preocupação com os impactos da regulação já mobiliza especialistas, empresas e até políticos. Resta saber se o Banco Central vai ouvir os alertas e repensar a proposta, ou se o Brasil corre o risco de perder a corrida das criptomoedas.