El Salvador e o crime

Bukele diz que crime organizado no Brasil "está dentro do Governo"

Enquanto celebra suas próprias políticas de "mão de ferro" que reduziram drasticamente o crime em seu país (apesar de acusações de violações), ele enfrenta a fúria da Venezuela, que o acusa de "crime contra humanidade" .

Bukele diz que crime organizado no Brasil "está dentro do Governo"

O polêmico presidente de El Salvador, Nayib Bukele, conhecido por sua abordagem linha-dura contra o crime, voltou a gerar discussões ao lançar uma crítica direta à situação de segurança em grandes nações latino-americanas. Bukele destacou o que considera uma anomalia: como países como México, Colômbia e, notavelmente, o Brasil, permitem que partes significativas de seus territórios estejam sob o controle de cartéis de narcotraficantes. Ele contrasta essa realidade com a de outras regiões do globo.

“A Europa, que é o lugar que mais consome droga no planeta, nem sequer tem um metro quadrado de seu território em poder do tráfico”, teria argumentado Bukele ou um interlocutor próximo, citando o exemplo do sul da França, onde, apesar de ser porta de entrada para drogas, a polícia manteria o controle territorial. Ele também mencionou potências populosas como China e Índia, que não teriam cedido “um milímetro quadrado” aos cartéis, e nem mesmo os Estados Unidos, um dos maiores consumidores de drogas do mundo.

A provocação mira diretamente a questão da soberania: “Por que o Brasil perdeu a soberania de grandes áreas para o tráfico?”, questiona a linha de raciocínio atribuída a Bukele. A resposta sugerida não seria a dificuldade geográfica, como a “selva impenetrável”, já que o Brasil possuiria “potencial policial e bélico para desalojar qualquer ocupante ilegal”.

A conclusão implícita, segundo um interlocutor de Bukele citado no texto original, é mais grave: “Porque o crime está dentro do Estado, do governo”. Essa fala ecoa em um momento em que, no Brasil, o próprio presidente Lula mencionou recentemente a preocupação com a “república dos ladrões de celular”, um problema que, para muitos, já escalou para crimes mais graves como latrocínios há tempos.

O Modelo Bukele: Sucesso e Controvérsia em El Salvador

A confiança de Bukele para fazer tais comparações vem de sua altíssima popularidade em El Salvador, frequentemente atingindo 90% de aprovação. Eleito aos 37 anos como um outsider, ele rompeu décadas de domínio bipartidário (ARENA e FMLN), prometendo segurança e modernização. Seu governo é creditado por transformar El Salvador, antes conhecido como a “capital mundial do crime”, em um país percebido como mais estável.

As principais realizações que sustentam essa imagem incluem:

  • Queda histórica da violência: Uma redução drástica nos homicídios, caindo de 38 por 100 mil habitantes em 2019 para apenas 1,9 em 2024. Isso foi alcançado principalmente através do Plano de Controle Territorial, que levou à prisão de mais de 85 mil suspeitos de envolvimento com gangues.
  • Megaprisão CECOT: A construção do Centro de Confinamento do Terrorismo (CECOT), considerado o maior presídio das Américas, com capacidade para 40 mil detentos. A prisão se tornou um símbolo de sua política de “mão de ferro”.
  • Adoção do Bitcoin: Uma aposta ousada que tornou El Salvador o primeiro país do mundo a adotar o Bitcoin como moeda legal em 2021. Apesar das críticas iniciais, a medida atraiu investimentos e turistas focados em cripto.
  • Impulso ao Turismo: O setor cresceu 95%, impulsionado por eventos internacionais como o Miss Universo 2023 e a promoção de destinos como a “Bitcoin Beach”.
  • Modernização Escolar: O programa “Minha Nova Escola” visa reformar a infraestrutura educacional e incluiu a distribuição de tablets com acesso à internet via Starlink para estudantes.
  • Melhorias na Saúde: Reestruturação de hospitais e ampliação do acesso a medicamentos, melhorando a percepção pública dos serviços de saúde.

As Sombras do Sucesso: Acusações de Autoritarismo

No entanto, o modelo Bukele não está isento de críticas severas. A oposição e organizações internacionais de direitos humanos, como a Human Rights Watch e a Anistia Internacional, acusam o presidente de autoritarismo. As principais denúncias envolvem a prisão de cidadãos sem o devido processo legal e abusos sistemáticos durante as detenções em massa realizadas sob o regime de exceção. “A segurança veio com um custo”, alertou a Anistia Internacional, citando mais de 350 mortes suspeitas ocorridas dentro das prisões desde o início do regime de exceção em 2022.

Apesar das críticas, Bukele foi reeleito em 2024 com esmagadores 84% dos votos. Seu estilo, que mistura apelo tecnológico, ordem e comunicação direta (apelidado de “hustle-bro populism” pela revista Foreign Policy), claramente ressoa com grande parte da população salvadorenha, cansada de décadas de violência. Contudo, as preocupações sobre o futuro da democracia e dos direitos fundamentais no país persistem.

Conflito Diplomático: Venezuela Acusa El Salvador de ‘Crime Contra Humanidade’

A política de encarceramento em massa de Bukele agora transborda para a arena internacional, gerando um conflito direto com a Venezuela. O Procurador-Geral venezuelano, Tarek William Saab, fez acusações gravíssimas nesta segunda-feira (31), afirmando que a detenção de cidadãos venezuelanos em El Salvador configura “um crime contra a humanidade”.

Esses venezuelanos foram deportados dos Estados Unidos para El Salvador (e não para a Venezuela) como parte de um acordo entre os governos americano e salvadorenho, pelo qual El Salvador receberia US$ 6 milhões. Desde 16 de março, mais de 200 venezuelanos chegaram ao país centro-americano e foram imediatamente transferidos para a temida prisão CECOT. As autoridades salvadorenhas informaram que eles permanecerão detidos por um ano, período que pode ser renovado.

Saab alega que essas prisões são “um ato de discriminação por ser venezuelano” e que El Salvador, como signatário do Estatuto de Roma (que criou o Tribunal Penal Internacional), está violando suas obrigações. Ele lista supostos crimes: tratamento cruel, desumano e degradante; privação ilegal de liberdade; e violação da integridade física. “Há vários crimes distintos que claramente se qualificam como crimes contra a humanidade”, pontuou Saab.

O governo Bukele rejeita as críticas, afirmando que respeita os direitos humanos dos detidos “sem distinção de nacionalidade” e que seu sistema prisional atende aos padrões internacionais. Crucialmente, nem os EUA nem El Salvador divulgaram as identidades dos deportados ou informações sobre seus supostos crimes ou ligações com gangues. Saab contesta qualquer ligação desses indivíduos com a gangue Tren de Aragua, afirmando que o grupo foi “desmantelado” na Venezuela, com seus líderes presos ou neutralizados.

Advogados contratados pela Venezuela já solicitaram à Suprema Corte salvadorenha (considerada alinhada a Bukele) que avalie a legalidade das detenções. Ironicamente, o próprio regime de Nicolás Maduro na Venezuela é alvo de uma investigação do Tribunal Penal Internacional (TPI) por possíveis crimes contra a humanidade desde 2021 e enfrenta críticas recentes da ONU e OEA pela repressão pós-eleitoral.

Fernando Américo
Fernando Américo
Sou amante de tecnologias e entusiasta de criptomoedas. Trabalhei com mineração de Bitcoin e algumas outras altcoins no Paraguai. Atualmente atuo como Desenvol