
Uma nova leva de dados sobre a educação brasileira está dando o que falar. O Ministério da Educação (MEC) divulgou nesta quinta-feira (3) os resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) para o 2° ano do ensino fundamental, e os números acenderam um alerta: apenas 49,3% das crianças brasileiras estavam alfabetizadas em 2023, segundo este teste.
O que chama a atenção é que esse percentual é significativamente menor do que os 56% que o próprio MEC havia divulgado no ano passado. Esse número anterior veio do relatório do programa “Criança Alfabetizada”, que usa uma metodologia diferente, baseada em exames feitos pelos próprios Estados. Na época, esse índice de 56% foi apresentado com destaque pelo ministro Camilo Santana e pelo presidente Lula, sendo considerado pelo governo como o indicador mais adequado.
Agora, com a divulgação dos dados do Saeb, surgem questionamentos. O presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), órgão ligado ao MEC, Manuel Palácios, defendeu o indicador Criança Alfabetizada (o de 56%), afirmando ser “a avaliação que o Inep reconhece como sendo a avaliação da alfabetização do País”. Ele argumenta que o Criança Alfabetizada é mais preciso por usar dados de mais alunos (enquanto o Saeb é amostral) e por incorporar provas aplicadas pelos Estados.
Além disso, Palácios justificou a demora na divulgação dos dados do Saeb para o 2º ano apontando para a alta margem de erro da avaliação em nível estadual. Enquanto a margem de erro nacional do Saeb é de 2,8 pontos percentuais, em alguns estados ela ultrapassa 10 pontos (chegando a 22,5 pontos na Bahia, por exemplo), o que dificultaria comparações justas entre eles, algo que o Criança Alfabetizada permitiria.
No entanto, especialistas em educação demonstram preocupação. O Saeb, aplicado a cada dois anos, mostrou que em 2019, antes da pandemia, 55% dos alunos do 2º ano eram alfabetizados. Esse número caiu para 36% em 2021, durante a crise sanitária, e agora subiu para 49,3% em 2023. Ou seja, segundo o Saeb, o Brasil ainda não recuperou o nível de alfabetização pré-pandemia.
“A discrepância entre os 56% do Criança Alfabetizada e os 49% do Saeb é muito relevante. São 7 pontos percentuais de diferença”, alerta Guilherme Lichand, professor brasileiro em Stanford e especialista em dados educacionais. Ele questiona o gasto de recursos em uma avaliação (Saeb) que o próprio órgão (Inep) parece não confiar totalmente devido às margens de erro estaduais.
Priscila Cruz, presidente executiva do Todos Pela Educação, também critica a situação: “O discurso feito no ano passado (…) do Brasil ter superado a perda ocorrida na pandemia na alfabetização pode não ser verdadeiro”. Ela defende que os dados do Saeb deveriam ter sido divulgados antes e que é preciso garantir que os resultados das diferentes avaliações sejam compatíveis.
A diferença entre os dois indicadores fica ainda mais evidente em alguns estados. No Maranhão, o Saeb apontou 30,6% de alfabetizados, enquanto o Criança Alfabetizada indicou 56%. Já em São Paulo, a variação foi menor: 50,5% no Saeb e 52% no Criança Alfabetizada, um patamar inferior ao do Maranhão segundo este último indicador.
O imbróglio tem como pano de fundo a distribuição de parte do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) baseada em resultados educacionais, o que levou os Estados a criarem suas próprias avaliações. O MEC, segundo Palácios, tentou integrar e padronizar essas avaliações estaduais no indicador Criança Alfabetizada para alinhar as políticas públicas. A discussão sobre qual número reflete melhor a realidade da alfabetização no Brasil, no entanto, está longe de terminar.