
- Ministério alegou baixa adesão, mas medida gerou críticas de especialistas e técnicos do Inep.
- Entidades apontam risco de perda na qualidade da política de alfabetização nacional.
- Redes já utilizavam dados preliminares e cobravam informações para estruturar ações em 2025.
O Ministério da Educação (MEC) decidiu não divulgar os resultados de alfabetização da Avaliação Nacional do Saeb 2023, que mede o desempenho de estudantes do 2º ano do ensino fundamental. A informação foi confirmada pela reportagem da Folha de S.Paulo, que teve acesso a documentos e declarações de técnicos envolvidos no processo.
A decisão do governo ocorre mesmo com a aplicação das provas e a coleta dos dados já concluídas. Embora os demais resultados da avaliação — como os das etapas finais do ensino fundamental e médio — devam ser publicados, a parte que trata da alfabetização ficará retida, o que gerou críticas de educadores e especialistas.
Decisão gera desconforto entre técnicos e especialistas
A medida gerou insatisfação dentro da própria estrutura do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão responsável pela aplicação da prova. Técnicos da autarquia alertaram para o risco de descredibilizar o Saeb, que é considerada a principal ferramenta de avaliação da qualidade do ensino no país.
Além disso, a decisão contradiz a expectativa criada pelo próprio governo, que havia prometido mais transparência nos dados educacionais. O Plano de Ações Articuladas (PAR), lançado em 2023, previa maior rigor no monitoramento da alfabetização.
O MEC alegou que os dados não têm validade estatística suficiente para serem divulgados. Segundo a pasta, houve baixa participação das escolas públicas no 2º ano do ensino fundamental, o que comprometeria a comparação nacional. No entanto, especialistas discordam da justificativa.
Avaliação ocorreu, mas metodologia virou alvo
O Saeb de 2023 incluiu, pela primeira vez em anos, estudantes do 2º ano. A ideia era retomar a série histórica interrompida em 2019. Contudo, a aplicação do teste sofreu mudanças metodológicas, como a redução de itens avaliativos e a ausência de correção centralizada das provas escritas.
Apesar das alterações, educadores apontam que os dados ainda são valiosos para fins diagnósticos. A ausência de correção única não impediria a identificação de tendências de aprendizagem, principalmente em estados que aderiram ao novo modelo com maior engajamento.
Portanto, mesmo que não sirvam para comparações rígidas, os resultados poderiam ajudar a direcionar políticas públicas. A decisão de reter os dados levanta dúvidas sobre a real disposição do governo em enfrentar os desafios da alfabetização infantil.
Entidades reagem e cobram transparência
Organizações como o Todos Pela Educação, o Instituto Ayrton Senna e o Movimento pela Base criticaram a decisão do MEC. Em notas públicas, as entidades defenderam que a transparência nos dados é essencial para o aprimoramento das políticas educacionais.
Além disso, algumas redes estaduais que participaram ativamente da avaliação manifestaram surpresa com o veto. Estados como Minas Gerais, Ceará e Espírito Santo já haviam iniciado o uso dos dados preliminares em seus planejamentos para 2025.
O governo federal, por outro lado, tenta se justificar dizendo que a amostra nacional foi insuficiente para gerar indicadores confiáveis. No entanto, o argumento não convence parte da comunidade acadêmica, que vê na atitude um recuo político.
Especialistas apontam que, ao barrar a divulgação, o MEC perde a oportunidade de iniciar o novo ciclo de alfabetização com base em evidências concretas. Com isso, a elaboração de estratégias pode ficar prejudicada nos próximos anos.
Debate sobre alfabetização volta ao centro da agenda
O episódio reacendeu o debate sobre a importância da alfabetização na idade certa. Dados do último Saeb com ênfase no 2º ano, em 2019, já mostravam que mais de 55% das crianças não conseguiam ler e escrever adequadamente ao fim dessa etapa.
Desde então, o país vive os efeitos da pandemia, que agravou a defasagem de aprendizagem. Assim, esperava-se que os dados de 2023 servissem como base para mensurar o impacto real das perdas educacionais nos anos iniciais.
Com a decisão de não divulgar os resultados, o governo perde a chance de construir um diagnóstico claro. Além disso, enfraquece o compromisso com a avaliação educacional como política de Estado, e não apenas de governo.