
Ir ao supermercado em São Paulo está ficando diferente. Itens que antes ficavam livremente nas prateleiras, como café, bacalhau, picanha, creme de avelã (Nutella) e azeite, agora estão sendo protegidos com grades, lacres plásticos e etiquetas antifurto. Essa mudança, observada em diversas redes, é uma resposta direta ao aumento dos furtos, impulsionado pela escalada de preços de alimentos básicos. O café, em particular, se tornou um símbolo dessa situação, sendo o produto com a maior alta acumulada em 12 meses no último levantamento do IBGE.
Uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo visitou 22 supermercados nas zonas sul, oeste, leste e central da capital paulista entre os dias 11 e 14 de abril, e encontrou essa prática em unidades de grandes redes como Carrefour, Extra, Pão de Açúcar e Sonda. O fenômeno não parece ser isolado.
Em exemplos concretos, o Mini Extra do Largo do Arouche e uma unidade do Carrefour Express no bairro da Saúde guardavam embalagens de café de marcas populares atrás de grades, trancadas na prateleira – curiosamente, as versões mais caras ou em cápsula não tinham a mesma proteção. Funcionários de ambas as lojas confirmaram à reportagem que a medida era explicitamente para evitar furtos. Um deles chegou a relatar que, só na manhã da visita, duas pessoas já haviam tentado levar sacos de café sem pagar.
O Carrefour informou que a prática é comum para produtos considerados de “alto valor”, e que o café, devido à sua recente valorização, passou a se encaixar nessa categoria. “É uma regra do varejo, nós só seguimos o mercado”, afirmou a rede.
Já o Grupo Pão de Açúcar (GPA), dono das marcas Extra e Pão de Açúcar, confirmou que itens como picanha, azeite e bebidas alcoólicas realmente seguem procedimentos de proteção por serem de alto valor agregado. No entanto, sobre o café, a empresa teve uma posição diferente: “No caso dos cafés, a companhia informa que a medida adotada [a grade] não está em conformidade com seus padrões e procedimentos. Assim que tomou conhecimento, a grade foi retirada dos produtos”.
A situação reflete o impacto da inflação no bolso do consumidor. Uma pesquisa recente do Datafolha mostrou que quase metade dos brasileiros reduziu o consumo de café justamente por causa do preço. Segundo o IBGE, o produto teve uma alta impressionante de 77,78% no acumulado de 12 meses até março.
Um promotor de vendas da marca Pilão contou à Folha que uma unidade do Extra no Grajaú chegou a ter 300 unidades de café da marca roubadas, o que levou o supermercado a adotar os lacres. Ele explicou que algumas marcas, por não serem embaladas a vácuo e fazerem menos volume, são mais fáceis de esconder e, portanto, mais visadas. A JDE Peet’s, dona da Pilão e outras marcas, disse que a decisão sobre segurança na gôndola é exclusiva dos varejistas.
Outros produtos também viraram alvos. Em unidades do Pão de Açúcar, bacalhau, picanha e azeites importados estavam com lacres. Em um Mini Extra, azeites e bebidas ficavam em locais fechados perto dos caixas. Na Sonda Supermercados, até o creme de avelã da marca Nutella tinha lacres antifurto. Por outro lado, em redes como Dia, Hirota, Oba, Oxxo e Chama, a reportagem não observou essas proteções extras.
Consumidores percebem e comentam a situação. “Tem que lacrar mesmo, porque tem muito furto e está muito caro. Não é porque o mercado é mais elitizado, é em qualquer mercado”, disse o empresário Giovani Ribeiro, 32, enquanto comprava picanha lacrada. Ele resumiu o sentimento de muitos: “Café está valendo mais que ouro agora.”