O projeto Worldcoin, que prometia recompensas em criptomoedas em troca do escaneamento da íris, enfrenta uma onda de problemas no Brasil. Moradores de São Paulo, como Cristiano Barbosa, Vivian Caramaschi e Nilson dos Santos, relatam dificuldades para acessar os valores prometidos devido a falhas no aplicativo World App, bloqueio de contas e suporte ineficaz. A situação levou a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) a intervir, proibindo a continuidade da remuneração a novos participantes.
O projeto, que se expandiu rapidamente pela periferia paulistana, oferecia 20 criptomoedas Worldcoin (WLD) após 24 horas do procedimento e outras 28 moedas distribuídas mensalmente ao longo de um ano. Segundo a cotação entre dezembro de 2024 e janeiro de 2025, o valor total poderia chegar a R$ 600 por participante.
No entanto, falhas recorrentes no World App, usado para gerenciar o saldo, impediram muitos usuários de acessar suas contas e os valores acumulados. Relatos de problemas incluem:
- Travamentos constantes: Dificuldade em realizar operações básicas no aplicativo.
- Bloqueio de contas: Usuários relatam terem sido “banidos por atividade suspeita” sem justificativa.
- Perda de acesso após reinstalação: Ao desinstalar e reinstalar o app (muitas vezes, na tentativa de solucionar problemas), usuários perdem o acesso à conta, mesmo digitando a senha correta.
- Suporte automatizado ineficaz: O atendimento virtual, feito por um robô, frequentemente trava e não resolve os problemas.
- Falta de Backup e perda de dados: Ao desinstalar e reinstalar o app, perde-se todos os dados e valores, pois não há backup, caso ele não tenha sido feito manualmente.
ANPD Proíbe Pagamentos e Exige Cumprimento da LGPD
A insatisfação com o projeto levou a ANPD, ligada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, a proibir, em 11 de fevereiro de 2025, a continuidade da remuneração a novos participantes no Brasil. A decisão foi tomada após a empresa Tools for Humanity, responsável pela operação da World, ter um recurso negado.
A ANPD constatou que pessoas, em grande parte de baixa renda, estavam entregando dados biométricos sensíveis (a íris) sem compreender claramente os riscos e o uso futuro dessas informações. A autoridade também determinou que a empresa indicasse um encarregado responsável pelo tratamento de dados pessoais em território nacional, conforme exige a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Casos de Usuários Prejudicados:
- Vivian Caramaschi (48 anos): Escaneou a íris em novembro de 2024, mas perdeu o acesso à conta e o valor estimado em R$ 200 após reinstalar o aplicativo. Foi informada de que seu perfil havia sido “banido por atividade suspeita”, o que ela nega.
- Marilis Casco Morales (24 anos): Registrou a íris em dezembro de 2024, mas não conseguiu sacar R$ 296,81 após o app alegar senha incorreta, mesmo digitando corretamente.
- Nilson dos Santos (39 anos): Buscava auxílio para receber a segunda parcela de suas moedas Worldcoin, mas não conseguiu contato com o suporte do aplicativo.
- Elaine Oliveira (40 anos): Perdeu a senha de acesso e, ao tentar recuperar a conta, descobriu que não havia solução disponível, resultando na perda definitiva do saldo.
- Cristiano Barbosa (52 anos): Foi informado que receberia R$ 300 por mês. Porém, em janeiro de 2025, constatou que o saldo disponível era de apenas R$ 24,77.
Desde dezembro de 2024, os relatos de problemas relacionados ao projeto World se multiplicaram, com destaque para o período entre o final daquele mês e janeiro de 2025, quando cerca de 400 mil pessoas participaram do escaneamento ocular. A grande maioria era formada por trabalhadores da periferia, atraídos pela promessa de renda extra.
A intervenção da ANPD foi baseada nessas denúncias e na suspeita de que a empresa estaria se aproveitando da vulnerabilidade financeira das pessoas para coletar dados biométricos sensíveis, sem explicar adequadamente os riscos e as finalidades.
Suporte Ineficiente e Funcionários Sem Treinamento Adequado
Os 55 pontos de coleta da World em São Paulo eram operados por funcionários terceirizados, treinados apenas para realizar o escaneamento e orientar sobre o uso básico do aplicativo. Quando os problemas surgiam, os consumidores eram instruídos a buscar ajuda por meio do suporte do World App, que se revelou ineficaz.
Um dos maiores problemas apontados pelos consumidores é a necessidade de realizar o backup da conta logo após o cadastro. Essa informação, segundo os usuários, não foi devidamente destacada pelos atendentes nem pelo aplicativo. A reinstalação do aplicativo é a última alternativa para resolver acessos perdidos, mas há o risco de perda permanente da conta.
Os termos de serviço da Worldcoin alertam que desinstalar o aplicativo pode significar a perda permanente da conta se não houver recursos de restauração em vigor (número de telefone e backup da conta com senha válida).
A advogada Patricia Peck, especialista em Direito Digital, também aponta que o World App não está totalmente em português, com trechos em inglês e espanhol, o que viola os direitos dos brasileiros.
A expectativa de um ganho fixo mensal de aproximadamente R$ 300 foi outro fator que atraiu muitas pessoas para o projeto. No entanto, houve desinformação sobre a variação cambial da criptomoeda Worldcoin, e a cotação da moeda sofreu queda brusca após a decisão da ANPD, aumentando a insatisfação dos consumidores.
Posicionamento da Worldcoin
Procurada pelo G1, a Worldcoin informou que não consegue quantificar o número de pessoas com problemas, pois todo o processo é anônimo.
A empresa também disse que os funcionários são treinados apenas para explicar a tecnologia e tirar as fotos, e não têm habilidades para solucionar eventuais problemas no aplicativo.