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Todo início de gestão governamental no Brasil, especialmente no âmbito federal, gera grandes expectativas de mudanças. No campo econômico e sob o aspecto fiscal, os olhos da sociedade e do mercado ficam atentos às decisões e propostas para atendimento às demandas e solução de crises pontuais ou gerais.
No presente momento, os olhos estão voltados para várias ideias veiculadas pela nova administração, visando demonstrar uma preocupação de controle das contas públicas e, simultaneamente, ao cumprimento de promessas feitas nas campanhas eleitorais. Dentre estas ideias, fala-se das muitas formas de obtenção de recursos públicos. Assim surgiu, recentemente, a afirmação de que o governo federal passaria a exigir uma espécie de licenciamento dos aplicativos de apostas eletrônicas com o pagamento de uma prestação para a exploração da atividade.
A questão ganha ainda maior relevância com as notícias amplamente veiculadas na imprensa da existência de esquemas de manipulação de resultados dos jogos de futebol mediante o pagamento de valores aos atletas profissionais envolvidos nas partidas.
O tema da natureza da atividade de exploração de apostas não é novo. Em primeiro lugar, porque a Constituição (art. 195, inciso III) prevê como meio de financiamento da previdência social a “receita dos concursos de prognósticos”. Nada mais é do que a transferência dos resultados positivos das apostas, após o pagamento dos prêmios, dos jogos regulados e explorados pelo governo.
Já em passado recente, estudiosos do Direito Administrativo afirmavam que as apostas oficiais (organizadas por entidades com vínculo público) seriam uma modalidade de serviço público e, portanto, reguladas e administradas pelos governos. Essa era a posição defendida, por exemplo, pelo saudoso jurista Diogo de Figueiredo Moreira Neto.
A matéria referente à competência dos entes federativos para regular essas mesmas atividades chegou, inclusive, a ser judicializada e, finalmente, objeto da Súmula Vinculante nº 2, que afirma a inconstitucionalidade de “lei estadual ou distrital que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias.”
Pois bem, a questão é esclarecer se, diante da competência privativa conferida à União pelo artigo 24, inciso XX, da Constituição Federal, o órgão poderia estabelecer regras de funcionamento para essa modalidade de jogos eletrônicos, que são as apostas realizadas por meio de aplicativos e, ainda, se poderia ser caracterizada como serviço público. A resposta me parece ser positiva.
Afirma-se esta possibilidade sem qualquer receio de erro. Primeiramente, porque a própria Constituição confere essa competência legislativa para a regulação da atividade, sem qualquer ressalva quanto ao agente econômico a explorá-la. Ora, há hoje no Brasil um número enorme de serviços públicos geridos diretamente por pessoas privadas que o fazem em nome e por conta própria mediante delegação ou autorização do poder público. Alguns desses serviços remuneram o poder público através da outorga, e outros, simplesmente, o fazem sem qualquer contraprestação.
Em segundo lugar, afirma-se a condição de serviço público pela identidade entre as atividades. Afinal, se os denominados “concursos de prognósticos”, explorados diretamente pelo poder público têm natureza de serviço públicos, qual seria a distinção jurídica dos aplicativos de apostas geridos e mantidos pela iniciativa privada? Não há diferença significativa.
Cabe ainda uma ponderação de ordem discricionária quanto à escolha da outorga como fonte de receita pública. A vantagem da cobrança desta sobre a instituição de tributos com a finalidade de arrecadar receitas para a União, no plano exclusivamente do planejamento governamental, é que esta prestação tem natureza de obrigação pecuniária administrativa (não tributária). Tal solução permitiria a exigência de imediato do seu pagamento, tão logo a matéria fosse regulamentada por lei. A opção pela tributação por sua vez submeter-se-ia à limitação constitucional para cobrança imediata da seguinte forma: se instituída sob a forma de imposto, sofreria a incidência do princípio da anterioridade anual, caso a opção fosse pela natureza de contribuição assistencial, haveria uma demora pelo prazo mínimo de 90 dias.
Diante de todas mais diversas as propostas que vêm sendo objeto de cogitação pelo governo federal para obtenção de recursos para fazer face às necessidades de reequilíbrio fiscal e financiamento da máquina pública, o tema da outorga de serviço de apostas e jogos é uma ideia feliz e juridicamente factível.
Por Davi Marques é professor de Direito Tributário e Financeiro da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio (FPMR).
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