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De Neymar ao esquecimento: como os NFTs viraram pó

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A febre do momento: foi assim que o mercado classificou o surgimento de uma nova tecnologia financeira, que prometia mudar para sempre a maneira como consumimos conteúdo. Os NFTs representavam um novo marco para os entusiastas da arte, da tecnologia, e dos investimentos, em um movimento que parecia “a oportunidade da vida” dos especuladores da febre NFT.

Entre a ascensão e a queda desta tendência, o mundo aprendeu a olhar cenários com novos olhos. Seja uma visão de expectativa, ou de risco, é preciso entender exatamente os processos que levaram a construção da febre NFT se tornar a ruína de muitos.

Como tudo começou: entenda o que é um NFT

A dita febre NFT deu o que falar: nas redes sociais ou nas filas dos bancos, o fato é que o movimento chamou a atenção do mercado naquela que poderia ser a maior evolução de tecnologia financeira desde o surgimento do Bitcoin. No entanto, fica claro que podem ter desavisados que estão se perguntando: o que exatamente é um NFT?

NFT é uma sigla para non-fungible token, que em inglês significa token não fungível.

Contudo, isso ainda não é uma resposta, para entender exatamente o que são esses tokens, é importante entender o que significa a palavra fungível.

O termo Fungível, segundo o nosso “bom amigo dicionário”, tem o seguinte significado:

“Passível de ser substituído por outra coisa de mesma espécie, qualidade, quantidade e valor.”

Então se os tokens são NÃO FUNGÍVEIS, quer dizer que estes tokens representam algo único, que não pode ser substituído devido a seu valor.

Como o NFT funciona

Os NFT usam a mesma tecnologia por trás do Bitcoin, o blockchain. Esta tecnologia, como seu nome em inglês aponta, representa uma “corrente de blocos”.

Essa corrente de blocos são como livros contábeis, que registram as transações, contudo tem como vantagem de serem divididas em pequenos blocos, assim a corrente formada por esses blocos é mais segura, pois salva as informações em intervalos regulares. Portanto, o blockchain é a ferramenta perfeita para operar os NTFs, protegendo sua segurança.

Vale lembrar que além do registro da “patente” da NFT em blockchain, muitas das compras de NFTs são feitas com moedas virtuais. As famosas “criptomoedas”.

As moedas digitais, de forma simplificada, são códigos de computador que podem ser trocados pela internet. Assim, estes códigos funcionam como meio de pagamento independentes. Desse modo, não possuem a interação direta com outras moedas, governos e bancos.

O surgimento destas criptomoedas acontece logo após a explosão da crise econômica do subprime em 2009. O momento foi bem favorável, afinal o mundo passava por uma crise graças a “implosão” do sistema bancário americano. Uma moeda sem relações com bancos mostrou potencial bem interessante.

Representadas principalmente pelo Bitcoin e o Ethereum, as criptomoedas encontraram seu lugar no coração dos especuladores, mas devido a sua falta de lastro, não encontravam lugar em práticas mais simples do cotidiano. Afinal, não aceitam Bitcoin nas padarias.

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O surgimento dos NFTs trouxeram consigo algo “palpável” para este mundo da especulação, e uma função socio/econômica aplicada para as criptomoedas dentro de um sistema econômico, que iria além do que apenas uma modalidade de investimento ou de reserva de valor.

Usando uma NFT no dia a dia

No dia a dia os NFTs servem como uma espécie de selo de autenticidade virtual. Em outras palavras, servem como uma prova de que certo objeto é único, seja este objeto físico ou virtual. Os NFTs servem para identificar e vender estes objetos.

Agora, imagino que você esteja pensando em algo como: “ok, mas qual o significado de se marcar um objeto virtual como único?”

Aí entra o conceito econômico da escassez. Por exemplo, pense em uma loja de calçados. Nesta loja existem milhares de calçados, contudo por problemas no estoque, apenas um calçado na loja é exatamente do seu tamanho. Mesmo que existam milhares de calçados a sua disposição, você provavelmente estará muito mais interessado naquele único calçado, pois é o único que atende as suas necessidades.

O fenômeno da escassez ajuda a agregar valor, e é exatamente a partir desse conceito que os NFT funcionam.

Nesse sentido, um NFT costuma se apresentar no formato de um item que representa algo muitas vezes de valor artístico, abordando tópicos e modelos como:

  • Imagens;
  • Músicas;
  • Vídeo;
  • Itens de videogame;
  • Artefato digital.

Ativos que podem ser compartilhados tanto por usuários de forma individual como por uma pessoa jurídica, que podem confeccionar NFTs relacionados a elementos associados ao trabalho de cunho industrial.

A principal questão em relação à valorização do mercado em relação aos NFTs está na sua possibilidade de comercialização, podendo até mesmo serem trocados entre si, diferente de criptomoedas que trabalham com distintos sistemas comerciais, por exemplo.

Não existem duas Monalisas

Para ficar mais fácil de visualizar, proponho falarmos sobre um setor onde estes NFTs são aplicados em prática, na arte.

Em 2017, a dupla de artistas Matt Hall e John Watkinson criaram a primeira série de ilustrações que usavam essa tecnologia, um grupo de personagens chamados CryptoPunks.

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CriptoPunks

Cada uma dessas imagens é associada a um NFT, que eles registram e colocam à venda. O comprador se torna o único dono da imagem.

Mas afinal por que pagar para ter uma imagem virtual, já que posso simplesmente pegar uma cópia na internet?

Você também pode pegar uma cópia da Monalisa no Google, mas isso não quer dizer que você é quem possui a pintura original elaborada por Leonardo da Vinci.

A Mona Lisa, história e mistérios - Museu do Louvre Paris - PARISCityVISION
Monalisa

O NFT serve para dar a exclusividade necessária para gerar valor. Em especial esta arte entrou para o imaginário do mercado, sendo uma das pioneiras do movimento. A resposta vem nos números: atualmente, em média, as imagens possuem um valor unitário estimado em US$ 90 mil.

O alto valor atual destas obras explicam bem o que foi a febre dos NFTs: valuations elevados e até mesmo super inflados, resultando em especuladores “comprando sonhos”. Mas nem sempre quem entrou na onda se deu bem.

Deu ruim irmão

Como toda boa “febre”, a onda dos NFTs também deu alguns indícios de que seria passageira. Mas não antes de levar consigo muitos especuladores que seguiram a “onda do momento”. Entre eles alguns casos públicos chamaram a atenção.

O influenciador americano Logan Paul é muito conhecido na internet, principalmente quando o assunto é YouTube. Além de trabalhar como criador de conteúdo, Paul também é um investidor em criptomoedas e NFTs, mas nem sempre ele acerta.

Você já imaginou gastar mais de 3 milhões de reais com um ativo que aproximadamente 1 ano depois, esse mesmo ativo passaria a valer R$ 50?

Essa foi a grande aposta do Paul, que comprou um item da coleção Azuki, por uma bagatela de US$ 623 mil. Cerca de 3.3 milhões de reais na cotação atual.

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Contudo, o caso virou notícia no mercado na última semana, quando o ecossistema da Azuki, assim como todos NFTs da coleção, caíram de valor, fazendo o youtuber amargurar um valor atual de mercado de US$ 10 no item comprado.

Outra celebridade que teve seu nome veiculado aos NFTs, foi Neymar Junior, um dos principais jogadores de futebol do planeta. O atleta apostou em um grande peixe: a coleção Bored Ape Yacht Club, uma das mais valorizadas coleções de NFT do planeta, pelo “precinho” de R$ 6,48 milhões.

Neymar e macaco

No entanto, como os NFTs são negociados em blockchain e vinculados a criptomoedas, a queda da moeda por trás da obra (Ethereum) trouxe uma forte desvalorização para arte. Segundo dados da CNN, em junho, a coleção do principal jogador da seleção brasileira de futebol estava avaliada em “apenas” R$ 1 milhão.

Não foi só Neymar

Para se ter uma dimensão melhor de como o movimento chamou a atenção, não foi somente o astro do Paris Saint German que entrou na onda. Uma série de celebridades também entraram de cabeça na febre dos NFTs, especialmente na coleção Bored Ape.

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Confira uma lista de celebridades que se renderam à coleção:

  • Steve Aoki
  • Justin Bieber
  • The Chainsmokers
  • Diplo
  • E11EVEN (Miami nightclub)
  • Eminem
  • Jimmy Fallon
  • Future
  • Gunna
  • Kevin Hart
  • Madonna
  • Paris Hilton
  • DJ Khaled
  • KSI
  • Lil Baby
  • Lil Durk
  • Post Malone
  • Marshmello
  • Meek Mill
  • French Montana
  • Murda on the Beat
  • Alexis Ohanian
  • Gwyneth Paltrow
  • Logan Paul
  • Rich the Kid
  • Snoop Dogg
  • Takeoff
  • Timbaland
  • Travis Barker
  • Gary Vaynerchuk
  • Waka Flocka Flame

Segundo dados disponíveis na nftpricefloor, a coleção Bored Ape Yatch Club, assim como os CryptoPunks, perderam grande parte de seu valor de mercado ao longo dos últimos meses em comparação ao seu preço máximo, mas ainda são investimentos milionários.

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Um febre passageira?

Contudo, fica claro que para o “investidor comum”, participar das especulações das grandes obras NFTs não era uma realidade acessível. Com valores milionários e inflacionados em jogo, se tornou bastante complicado estar entre os primeiros investidores da febre NFT.

Como aplicar a tecnologia blockchain no cotidiano da sociedade? Esta pergunta surgiu juntamente com a tecnologia, e chegou próxima de uma resposta com o surgimento de uma ‘febre “derivada” dos NFTs: os jogos de blockchain.

Ao aliar os conceitos de blockchain com jogos digitais, o mercado encontrou uma forma criativa de apresentar a novos investidores uma maneira real de utilizar suas criptomoedas e NFTs de uma forma prática, concisa e relevante aos conceitos do mercado.

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Axie Infinity: um dos principais jogos NFT

Em geral, grande parte destes novos jogos NFTs possuíam o mesmo objetivo: minerar criptomoedas, utilizando “ferramentas” NFT.

As pessoas gostam de ganhar renda extra brincando e conversando entre si. Assim, os NFTs gradualmente formaram um metaverso que combina um local de trabalho, recreação e interação social em um espaço virtual.

Na busca de engajar novos especuladores, uma verdadeira avalanche de jogos blockchain (Play-to-Earn) surgiram, trazendo um amplo leque de novos investidores a este mercado até então inexplorado.

A alta da procura pelos jogos, aumentou os valores dos NFTs relacionados aos projetos, e a demanda explosiva pelas criptomoedas necessárias para rotacionar a economia destes jogos digitais inflaram o mercado de forma praticamente instantânea.

Os jogos blockchain se apresentaram como a resposta ideal: traziam consigo a essência da especulação e toda a tecnologia por trás do grande mercado de NFT. Ainda assim, era relativamente mais acessível a investidores menos experientes, devido aos valores mais baixos de investimento requeridos, em especial, em comparação às fortunas exigidas no mercado de arte e das NFTs mais “tradicionais”.

A febre se mostrou lucrativa para quem apostou no primeiro momento. No entanto, a queda do “hype” sobre o movimento pouco sustentável se mostrou um verdadeiro pesadelo para investidores, principalmente os pequenos.

De sonho a pesadelo

O surgimento das criptomoedas revolucionou o mercado de capitais em si, trazendo um novo conceito abrangente de investimento e de descentralização. O maior exemplo disso, se dá com o Bitcoin.

A maior criptomoeda do mundo caiu nas graças do mercado, e hoje existe por si só, praticamente como uma moeda independente. Os primeiros apostadores do Bitcoin ganharam verdadeiras fortunas com a valorização estelar do ativo. O que gerou um novo fenômeno social: qual seria o próximo Bitcoin?

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NFT da coleção Bored Ape

A obsessão do mercado em encontrar um sucessor natural do Bitcoin, “uma nova galinha dos ovos de ouro” gerou uma instabilidade no mercado, que rapidamente inflacionou outras criptomoedas, levando este tipo de ativo em uma direção diferente da de seu planejamento original.

As criptomoedas se tornaram uma obsessão de investidores, que não pensavam duas vezes antes de apostarem todas as suas economias em uma nova tendência que poderia representar uma nova “realidade” para os mercados, e até mesmo para a vida pessoal dos investidores.

A falta de planejamento financeiro pessoal e estruturação sobre investimentos pesaram especialmente entre os mais aventureiros, que apostaram economias de uma vida nestas febres, que se mostraram pouco confiáveis.

A febre dos NFTs está passando.

Um bom exemplo disso, se dá pelo volume de pesquisas pelo termo NFT na internet, confira abaixo os dados do Google Trends:

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Interesse no termo “NFT” ao longo do último ano.

Ainda não está convencido? Segundo dados compilados pela Dune, o volume de NFTs negociados em dólares por semana no mercado, atingiu sua maior baixa desde o início da febre deste criptoativo no mês de julho deste ano. Em março, o mercado movimentava uma quantia superior a US$ 100 bilhões por semana. O que expõe que este mercado estava inflado:

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Ainda tem salvação? Veja casos de uso “promissores”

Apesar de se apresentar em muitos casos como um movimento “dormente”, o “Boom” dos NFTs parece ter simplesmente antecipado uma tendência do “amanhã”.

O mercado NFT ainda projeta margens de crescimentos robustas na visão de alguns analistas. De acordo com a Research and Markets, o boom do NFT causará um crescimento igualmente ativo do mercado. A estimativa é de que em 2030, o mercado NFT movimente cerca de US$ 211,74 bilhões. O que seria um valor mais de 10x superior ao movimentado em 2022, quando a popularização dos NFTs bateram um volume de US$ 20,44 bilhões.

O valuation parece ser ainda mais absurdo do que os casos vividos pelo mercado nos últimos tempos, mas se justifica devido à possibilidade de uso praticamente ilimitada dos NFTs.

O fim das falsificações?

As falsificações são uma das grandes chagas da indústria comercial moderna. Atualmente, o mercado paralelo segue evoluindo, e em alguns casos, se tornou visualmente imperceptível a diferença entre um tênis original da Nike, por exemplo, e uma falsificação.

Esse problema vai muito além de apenas calçados. As vendas falsificadas representam cerca de 2,5% do comércio global (US$ 464 trilhões em média).

Assim, um bom uso esperado para o NFTs, é na criação de “gêmeos digitais”.

Um proprietário de marca cria uma cópia digital do original na forma de um NFT, onde são escritas informações sobre o assunto e a propriedade de ativos físicos. Então, junto com um item, uma pessoa recebe um certificado digital confirmando a autenticidade do produto.

O NFT mantém o histórico do item e pode ser usado pelo proprietário para revenda. Um comprador se familiariza com o conteúdo do NFT, navega pelo arquivo e compra uma coisa usada, mas de alta qualidade. A chance de o comprador ser enganado é quase zero.

Louis Vuitton e Nike estão considerando opções de distribuição NFT, enquanto LVMH, Prada e Cartier estão desenvolvendo seus NFTs Aura. No futuro, um sistema de autenticação baseado em NFT se tornará comum, e os usuários poderão comprar, coletar e revender com segurança itens de qualidade.

A inimiga das fraudes

A garantia de exclusividade de NFTs podem ser usadas para resolver muitos problemas que vemos cotidianamente no mercado financeiro. Pense em fraudes comuns aqui na Brasil: Falsificação ideológica, clonagem de dados como cartões de crédito, veículos e vários outros. Com o alinhamento de NFT em dados pessoais, uma nova margem de garantia seria criada. Desta vez, protegida pela mesma tecnologia que protege os Bitcoins.

Nem tudo que aparece na sua tela é Bitcoin

Os NFTs representam uma mudança nos paradigmas do mercado, especialmente na integração e transição do movimento tradicional artístico para uma economia digital e tecnológica.

Arte, finanças e investimentos: conceitos que se abraçam para gerar uma nova realidade para o mercado de capitais global. O movimento NFT gerou uma nova indústria milionária para se estar de olho, mas é papel do investidor estar sempre buscando novos aprendizados nas atualizações constantes do mercado para evitar uma opção ruim de investimento.

O surgimento dos NFTs se apresenta como uma evolução natural do mercado, mas não pense que o NFT será o novo Bitcoin.

É claro que existe, sim, a possibilidade de você apostar em um ativo de centavos hoje, que possa valer alguns milhares de dólares no futuro. Mas os NFTs não foram criados com este propósito.

As moedas digitais, apesar de serem apresentadas como ativos de investimento, não podem ser consideradas reservas de valor. Afinal, não possuem a característica mais básica de um investimento seguro: confiança.

Não use o NFT como poupança

A reserva de valor é a principal inimiga das criptomoedas como uma modalidade segura de investimento. Uma moeda normal consegue manter seu valor (salvo exceções). Afinal, podemos praticamente afirmar que daqui a 5 anos, um dólar americano, valerá… 1 dólar americano.

Mas podemos dizer que as criptomoedas manterão este valor? Estas moedas vêm crescendo de valor constantemente, mas a mesma volatilidade de crescimento que oferece margens de rentabilidade fantásticas, também apresentam um grande risco e a possibilidade de perda do valor total investido.

É importante considerar que suas movimentações vêm de um mercado especulativo, e infelizmente, especulações não passam de especulações.

Portanto, se você quer estar presente na onda dos NFTs, trate esta modalidade de investimento como um investimento especulativo: uma aposta.