Quando surge o questionamento sobre a Reforma Tributária ser positiva (ou não) em um contexto geral para o Brasil, a resposta costuma ser unânime: sim. É raro conhecer pessoas que são contra a transparência dos impostos, a simplificação na cobrança de tributos, a redução da sonegação fiscal, a integração tecnológica e a modernização do sistema tributário. No entanto, quando entramos nos meandros das regulamentações em tramitação, está evidente que existem lados que ganham mais com esse movimento e outros que perdem significativamente. É neste último ponto que precisamos de atenção redobrada.
O sistema aprovado do PLP 68/2024 em sessão extraordinária deliberativa no Plenário da Câmara dos Deputados neste mês de dezembro e que segue para a sanção presidencial ainda desencadeia desafios aos prestadores de serviços e às micro e pequenas empresas (MPEs). A proposta gera efeitos colaterais significativos aos pequenos negócios do país. E aqui estamos nos referindo a milhões de famílias: afinal, são milhares de médicos, advogados, arquitetos, nutricionistas, engenheiros, fisioterapeutas, desenvolvedores, programadores, que estão alheios a esta discussão e terão que se adaptar a um cenário complexo, principalmente no período de transição (até 2032) em que haverá a coexistência de dois sistemas tributários.
Hoje o setor de serviços paga 8,65% de impostos sobre o seu lucro presumido (considerando a alíquota máxima de 5% de ISS e 3,65% de PIS e COFINS) e, com a nova Reforma Tributária, essa alíquota chegará a 26,5% ou mais. Além disso, ainda existe o impacto na competitividade de mercado para quem atua no Simples Nacional. Apesar do interesse genuíno em preservar as regras existentes deste regime de tributação e não aumentar a carga tributária das MPEs, percebe-se um desconhecimento em relação à realidade e aos interesses dos pequenos empreendedores, que são muitos no quesito volume, mas estão pulverizados em termos de representatividade, não reunindo a influência, a força e o poder necessários para obterem benefícios relevantes e lutarem por sua conservação e competitividade no longo prazo.
Então, imagine esses empreendedores que estão tentando sobreviver ao cenário macro e micro econômico tendo que colocar nessa equação outros fatores determinantes para entender se os tributos das suas empresas aumentarão ou diminuirão: o tipo de serviço que será prestado, o melhor regime tributário a ser escolhido, a possível janela de mudança de regime tributário, a data de recolhimento de imposto na fonte, o perfil do cliente tomador das notas fiscais, ou seja, o contratante final será pessoa física ou jurídica, a geração de créditos tributários, dentre outros pontos relevantes e estratégicos que precisam ser analisados.
Uma das inovações incluídas na proposta da nova Reforma Tributária foi o split payment, onde o valor pago por um comprador é automaticamente dividido entre o vendedor e as autoridades fiscais no momento da transação, seja pela plataforma digital ou no arranjo de pagamento. Esse modelo de arrecadação interfere no fluxo de caixa dos pequenos empreendedores, uma vez que o valor de imposto é antecipado e retido nas fontes de pagamento de serviços, reduzindo então o valor a ser recebido. Tal inovação impacta diretamente a capacidade de reinvestimento no negócio e a movimentação do fluxo financeiro das empresas, dado que, atualmente, esse valor é utilizado para financiar as obrigações da empresa, como o pagamento de fornecedores e funcionários, dentre outras demandas do dia a dia.
Em termos práticos, os prestadores de serviços não receberão mais o valor total da nota fiscal, mas sim o valor líquido de impostos. Esta sistemática reduz o montante recebido pela empresa e impede-a de aplicar o recurso dos impostos em outras despesas necessárias. Dependendo da configuração desta futura regulamentação, o split payment pode diminuir a autonomia na gestão financeira dos pequenos negócios. E como funciona atualmente? Hoje em dia, é possível efetuar o pagamento dos impostos até o dia 20 do mês subsequente.
As empresas inscritas no regime Simples Nacional que optarem por recolher o IVA por fora, juntamente às empresas do Lucro Real e do Lucro Presumido, terão direito a créditos tributários sobre custos e insumos da operação, o que reforça a não-cumulatividade plena, ou seja, cobrança de impostos em cascata, mas não resolve a questão na totalidade da cadeia. Uma das novidades aprovadas no Senado foi a opção de alterar a sistemática de tributação do IVA, ou seja, alteração de regime tributário (para CBS e IBS), duas vezes ao ano (a cada seis meses). As trocas poderão ser feitas em janeiro e julho, mas comunicadas em setembro e abril, respectivamente. Esse ajuste pode ser viável conforme a evolução do negócio, o perfil dos clientes e o desempenho financeiro da empresa.
No entanto, de uma maneira geral, é necessário pensar em todas as empresas que fazem parte do sistema de arrecadação de tributos e, no cenário atual, o Simples Nacional ficará de fora e não poderá tomar crédito dos impostos sobre custos ou insumos que tiver em sua operação em nenhuma etapa, podendo somente repassar crédito para os tomadores no limite dos impostos (IBS e CBS) que serão recolhidos na DAS. Outra desvantagem é o cashback das empresas do Simples Nacional para o consumidor final, que será menor pelo mesmo motivo.
Tudo isso ainda precisa ser associado ao fato de que até o final de 2032, a nova sistemática de tributação sobre consumo funcionará simultaneamente à que está vigente. Nesse ambiente ainda mais complexo, o apoio próximo de um contador, somado a um planejamento tributário adequado, serão os maiores aliados dos pequenos negócios, tanto nesta fase de transição, quanto agora, onde as empresas já devem refletir, simular e analisar os melhores cenários para as suas operações e estruturar as eventuais mudanças necessárias, uma vez que a nova Reforma Tributária do Consumo entra em vigor em 2026.
Após tantas conversas nos últimos meses e inúmeras evidências no mercado, será que restam dúvidas de que os prestadores de serviços e as MPEs serão impactados negativamente com a chegada da Reforma Tributária? Espera-se que não, porque já está bastante claro de que há muito a ser feito. Por isso, enquanto não chega 2033, a simulação das consequências de regime tributário, a compreensão dos efeitos tributários no preço e no mix de clientes, os resultados práticos no lucro líquido da operação e o custo de aquisição são essenciais para a sustentabilidade dessas empresas.
Entidades empresariais, como a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e a FecomercioSP, têm alertado sobre a necessidade de ajustes no texto da Reforma Tributária para proteger as micro e pequenas empresas optantes pelo regime Simples Nacional. O principal receio é que as novas regras, especialmente em relação à apropriação de créditos tributários, aumentem a carga tributária dessas empresas, prejudicando a sua competitividade.
Os contextos acima são exemplos de como a Reforma Tributária impacta financeiramente os pequenos negócios e os prestadores de serviços. A nova realidade traz a necessidade de maior organização e, em muitos casos, obrigará estratégias de negociações e mudanças de regime. Portanto, é importante buscar auxílio de profissionais capacitados que compreendem a situação das empresas e apresentam opções viáveis, inclusive sugestão de reprecificação dos serviços. Entender os impactos específicos em cada negócio, buscar orientação profissional e escolher um serviço de contabilidade especializado serão passos cruciais para mitigar os riscos e encontrar oportunidades.
* Por Charles Gularte, vice-presidente executivo de Serviços aos Clientes da Contabilizei.
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