
- Copom manteve a Selic em 15% mesmo após tarifaço de Trump contra o Brasil;
- Parte do mercado vê espaço para corte em 2026, mas incerteza fiscal adia qualquer alívio;
- Indústria, agronegócio e consumo alertam para impacto crescente dos juros sobre a economia real.
Após sete elevações consecutivas, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decidiu manter a Selic em 15% ao ano. A decisão já era esperada, mas gerou forte repercussão entre economistas, investidores e representantes de diferentes setores produtivos, especialmente diante do tarifaço de 50% imposto por Donald Trump contra exportações brasileiras.
Embora o comunicado tenha reforçado o tom conservador da autoridade monetária, analistas divergem sobre os próximos passos. Enquanto uns consideram o nível atual adequado diante das expectativas inflacionárias desancoradas, outros afirmam que o juro real elevado pode frear perigosamente a atividade econômica.
Mercado vê decisão alinhada, mas teme rigidez
Para Natalie Victal, economista-chefe da SulAmérica Investimentos, a decisão do Copom não altera o cenário base. Ela segue projetando Selic em 15% até o fim de 2025, com cortes apenas a partir do primeiro trimestre de 2026, caso se confirmem um câmbio estável, inflação benigna e desaceleração da atividade.
Marcio Saito, CFO da Entrepay, também classificou a decisão como esperada, mas alertou para a possibilidade de elevação para até 16% ainda em 2025, caso a inflação volte a pressionar. Ele destacou que o tarifaço dos EUA adiciona volatilidade ao câmbio e reforça a cautela dos agentes econômicos.
Segundo Lucas Constantino, da GCB Investimentos, o BC optou por uma pausa técnica. A instituição projeta manutenção da Selic em 15% até o fim de 2025, com cortes apenas a partir de 2026, dependendo do avanço fiscal e da reancoragem das expectativas.
Já Pablo Spyer, da Ancord, apoiou a manutenção e afirmou que é preciso firmeza para consolidar a queda das expectativas. Ele defende que pressões por cortes prematuros podem comprometer a credibilidade da política monetária.
Indústria e comércio criticam decisão
Entre os setores produtivos, o tom foi mais crítico. Flávio Roscoe, presidente da FIEMG, considerou a manutenção da Selic em 15% como uma política excessivamente contracionista. Para ele, o juro elevado já compromete a geração de empregos, sufoca o investimento produtivo e reduz a competitividade da indústria.
Felipe Queiroz, da APAS, também criticou a decisão. Ele afirmou que o IPCA já mostra sinais claros de desaceleração e que manter a Selic nesse nível penaliza o consumo e os investimentos. Para a associação, o tarifaço pode até gerar um efeito deflacionário ao reduzir exportações de produtos como café e carne.
Renato Barison, CEO da BIMS Capital, alertou que os juros altos seguem travando o crédito, especialmente nos setores imobiliário e agro. Incorporadoras enfrentam dificuldade no repasse bancário, enquanto produtores rurais lidam com margens apertadas e custos elevados de financiamento.
A avaliação dos setores produtivos converge para um ponto: com a Selic nesse patamar, o crescimento endógeno da economia fica comprometido. Há também preocupação com o impacto dos juros sobre o serviço da dívida pública e o espaço fiscal.
Cenário externo adiciona incerteza
No mesmo dia, o Federal Reserve também manteve sua taxa de juros em 4,5%, mas dois de seus membros votaram por corte, algo inédito desde 1993. Apesar disso, o presidente Jerome Powell adotou um discurso firme, reforçando que ainda é cedo para afrouxar a política monetária.
Esse cenário externo, combinado com o protecionismo crescente de Trump, tende a dificultar o trabalho do Banco Central brasileiro. A valorização do dólar, os riscos fiscais internos e o desaquecimento da economia global pressionam o BC a manter a Selic elevada por mais tempo.
Ainda que o IPCA tenha mostrado alívio recente, com deflação ao produtor e recuo no preço dos alimentos, o BC reforçou que só reduzirá os juros após uma convergência sólida das expectativas com a meta de 3%.
Por enquanto, a sinalização é clara: o ciclo de alta parou, mas ainda não há espaço para cortes. O Banco Central optou por observar os desdobramentos internos e externos antes de qualquer mudança de direção.