
- O pacote de R$ 9,5 bilhões apresenta custos ocultos e pode aumentar com novos aportes.
- Governo abre brecha para driblar regras fiscais, elevando dívida sem transparência.
- O governo usará parte dos recursos em política industrial, ampliando os riscos de uso político.
O governo apresentou um pacote de medidas para aliviar os efeitos do tarifaço, estimado em R$ 9,5 bilhões, mas especialistas alertam que o impacto real pode ser muito maior do que divulgado. Embora o Planalto tente vender a medida como limitada e pontual, o texto abre brechas que podem transformar a conta em uma dívida permanente.
A apresentação da intervenção, que envolve capitalização de fundos e benefícios tributários, não contabilizou diversos custos implícitos. Na prática, o modelo adotado não apenas dribla o arcabouço fiscal, como também permite que futuras despesas fiquem de fora do teto de gastos e da meta de resultado primário.
Brecha fiscal e manobra política
A proposta destina R$ 9,5 bilhões a três fundos: FGO, FGI e FGCE. No entanto, parte desse montante virá de créditos extraordinários, mecanismo que isenta o governo de registrar os valores no resultado primário. Para analistas, a medida é uma forma de maquiar os números oficiais e manter o discurso de responsabilidade fiscal.
O problema é que esse tipo de operação tende a se repetir. A lei que criou o FGCE, por exemplo, já prevê capitalizações via emissão direta de dívida pública. A possibilidade de novos aportes sem limite aparente amplia o impacto sobre a dívida e aumenta a percepção de risco fiscal.
Além disso, a renúncia fiscal prevista no Reintegra, estimada em R$ 5 bilhões, também foi excluída do resultado primário. Assim, o pacote acaba funcionando como uma “caixa-preta fiscal”, em que os custos reais não aparecem de imediato, mas recaem sobre as contas públicas no médio prazo.
Custos ocultos e impacto na dívida
O Tesouro reconheceu que o modelo poderá exigir aportes adicionais, caso a inadimplência ou as perdas dos fundos superem as estimativas. Se isso ocorrer, os gastos, novamente, não serão registrados no arcabouço fiscal.
Outro ponto crítico é o FGCE. Seu patrimônio líquido, de R$ 1,5 bilhão, tende a gerar custos de oportunidade, já que será aplicado com rentabilidade inferior ao custo de financiamento do Tesouro. Ou seja, cada real imobilizado no fundo representa uma perda para as contas públicas.
Na prática, o governo transfere riscos privados para o Estado, socializando eventuais prejuízos. Essa lógica preocupa o mercado, pois cria uma dependência crescente de socorros federais, ao mesmo tempo em que pressiona a dívida bruta, que já ultrapassa 76% do PIB.
Da ajuda emergencial ao “plano permanente”
O governo argumenta que as medidas são pontuais e visam garantir crédito a empresas atingidas pelo tarifaço. Porém, especialistas destacam que o desenho do pacote permite sua perpetuação. O uso de recursos desvinculados do FGE, por exemplo, pode virar funding para o BNDES conceder empréstimos subsidiados sem impacto formal no primário.
Isso abre espaço para que elementos de “política industrial” se misturem ao socorro emergencial, financiando investimentos com recursos que, em tese, deveriam reduzir a dívida. A experiência recente mostra que, uma vez abertas, essas portas raramente se fecham.
Ao criar mecanismos paralelos, o governo aumenta sua flexibilidade para gastar, mas compromete a transparência e a previsibilidade fiscal. A medida, celebrada como resposta ao tarifaço, pode se transformar em um novo passivo estrutural, dificultando ainda mais o equilíbrio das contas públicas.