- A CNC protocolou uma ação no STF pedindo a declaração de inconstitucionalidade da lei que regulamenta as apostas esportivas online, visando contestar seus impactos sociais
- A CNC argumenta que a legislação tem contribuído para o endividamento das famílias, especialmente nas classes C, D e E, que estão redirecionando sua renda para jogos de apostas online em vez de estimular a economia local
- A ação, que está sob a relatoria do ministro Luiz Fux, deve ouvir a posição da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral da República antes de prosseguir, refletindo a importância e a complexidade do tema
A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira (24), solicitando que a Corte declare a inconstitucionalidade da lei que regulamenta as apostas esportivas online, comumente conhecidas como “bets”. A ação direta de inconstitucionalidade, que está sob a relatoria do ministro Luiz Fux, destaca preocupações significativas em relação ao impacto da legislação na sociedade.
Antes de analisar o pedido, o ministro Fux deverá ouvir a posição da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Procuradoria-Geral da República (PGR). Além disso, o STF poderá convocar a Câmara dos Deputados e o Senado Federal para se manifestarem sobre a questão, considerando a relevância do tema.
O Congresso Nacional aprovou a lei que regulamenta as apostas esportivas, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a sancionou em dezembro de 2023. Essa legislação é resultado de uma mobilização governamental e foi precedida por uma medida provisória que Lula editou em julho do ano passado, estabelecendo as diretrizes para o setor. Na ocasião, o governo havia estimado que, em um mercado totalmente regulado e em operação plena, a arrecadação anual poderia variar entre R$ 6 bilhões e R$ 12 bilhões.
A aprovação da lei
No entanto, a CNC argumenta que a aprovação da lei não apenas ampliou a disponibilidade de apostas esportivas no Brasil, mas também levou a um aumento proporcional no endividamento das famílias brasileiras. A entidade expressa preocupações sobre as consequências sociais e financeiras dessa expansão, enfatizando a necessidade de uma revisão crítica da legislação em vigor.
A movimentação da CNC reflete um debate mais amplo sobre as implicações das apostas online, que, embora prometam significativas receitas para o Estado, também levantam questões sobre os riscos associados ao endividamento e ao bem-estar das famílias. Assim, a ação no STF pode abrir um caminho para uma reavaliação do marco regulatório e de suas consequências para a sociedade brasileira.
“Levando parte significativa da sociedade a um comportamento financeiro de altíssimo risco, e prejudicando consideravelmente a economia doméstica, o comércio varejista e o desenvolvimento social”, afirmam os advogados da entidade.
A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) observa que, após a implementação da nova legislação, houve uma clara mudança no comportamento dos consumidores das classes C, D e E. Esses grupos deixaram de investir na economia local e passaram a destinar uma parte significativa de sua renda para jogos de apostas online, na expectativa de encontrar uma solução para suas dificuldades financeiras.
Dados do Banco Central indicam que, em agosto, aproximadamente 24 milhões de pessoas físicas participaram de jogos de azar e apostas no Brasil, realizando pelo menos uma transferência via PIX para essas plataformas. A maioria dos apostadores tem entre 20 e 30 anos, embora o fenômeno alcance indivíduos de diversas idades.
O valor médio mensal das transferências tende a aumentar com a idade dos apostadores. Para os mais jovens, o montante gira em torno de R$ 100 por mês, enquanto para os mais velhos, o valor pode ultrapassar R$ 3 mil mensais, conforme dados de agosto de 2024.
Suspensão imediata
Diante desse cenário, a CNC pede a suspensão imediata da lei, enfatizando a necessidade de proteger o setor do comércio varejista nacional. A entidade argumenta que a continuidade da regulamentação poderá agravar as consequências negativas para a economia doméstica, especialmente com o crescente endividamento das famílias e a mudança nos padrões de gastos.
A confederação também ressalta que a expansão do mercado de apostas no Brasil afeta a saúde dos apostadores. Segundo a CNC, a legislação promove “efeitos prejudiciais e adversos associados à prática compulsiva de jogos de apostas online”.
“Desta forma, ao editar a Lei n.º 14.790/23, sem a adoção de políticas efetivas que garantam a saúde mental dos apostadores, o Estado estaria contribuindo diretamente para o aumento de agravos à saúde, significando afirmar que a referida norma viola o disposto no art. 196, da Constituição Federal”, diz a entidade.
O Ministério da Fazenda ainda não se pronunciou sobre a ação. O ministro Fernando Haddad declarou neste mês que existe uma “distância tênue” entre entretenimento e dependência em relação a esses jogos, um aspecto que requer atenção. Ele também mencionou que seu ministério está colaborando com o Ministério da Saúde para desenvolver medidas sobre essa questão.
“Isso virou um problema social grave, e nós vamos enfrentar esse problema adequadamente, da maneira mais madura possível, mas contando com o apoio da imprensa, da sociedade, da opinião pública, para combater a dependência e saber lidar com essa questão, como ela deve ser tratada”, afirmou o ministro.