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Dada a premência de se aprimorar o sistema tributário nacional, complexo, anacrônico e permeado de desigualdades, os especialistas da KPMG, Marcus Vinícius Gonçalves, sócio-líder de Impostos no Brasil e na América do Sul, e Fabio Maranesi, sócio-líder de Impostos Diretos, defendem prioridade na tramitação das propostas sobre o tema a partir da reabertura dos trabalhos legislativos.
No entanto, manifestam preocupação com os fatores que podem impedir as votações, dentre eles a falta de consenso entre o Executivo e o Legislativo, os interesses conflitantes dos entes federativos e o calendário eleitoral.
Para contextualizar a questão, os sócios da KPMG lembram que há as seguintes quatro principais iniciativas em discussão.
Duas questões mais restritas, tratando apenas de tributos federais
O Projeto de Lei (PL) 2337/2021 é a mais recente delas e propõe a alteração das regras atinentes à tributação da renda da de pessoas físicas e jurídicas. O texto foi enviado em junho do ano passado pelo Governo, aprovado com diversas emendas pela Câmara e, atualmente está em tramitação no Senado, sob a relatoria do senador Ângelo Coronel (PSD-BA).
“Mesmo tratando de alterações menos complexas de serem implementadas, essa proposta começa o ano enfrentando sérias barreiras, pois o relator da matéria já sinalizou ter posições diametralmente opostas às originalmente defendidas pelo executivo. Ele afirmou que, a depender dele, a tributação de lucros e dividendos não seria aprovada. Caso seja, apenas se acompanhada de maior redução da alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, além da retirada do texto do adicional de 1,5% da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM)”, alerta Fabio Maranesi.
O projeto, se alterado pelo Senado conforme pretendido pelo relator, terá de ser novamente votado na Câmara.
“No cenário atual, é provável que a Câmara dos Deputados não coadune com as modificações, retardando o processo e praticamente inviabilizando a aprovação e sanção até o final do ano, para vigência em 2023”, afirma Maranesi, lembrando a aplicação do princípio da anterioridade para as hipóteses em que houver aumento ou instituição de tributo.
“Assim, se as discussões extrapolarem 2022, muitas das novas regras fatalmente valerão apenas em 2024, indo de encontro ao senso de urgência da matéria”, salienta.
O PL 3887/2020, prevendo a criação da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), que viria a substituir a contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS).
O sócio Fabio Maranesi relembra que a proposta é que esse novo tributo funcione como um Imposto de Valor Agregado (IVA) a nível federal, com possibilidade de utilização ampla de créditos e aplicação de uma única (12%), com poucas exceções.
Tal como ocorre com a proposta para o Imposto de Renda, esse projeto também enfrenta diversas críticas por parte da sociedade.
O sócio cita, como exemplo, “a perspectiva de haver aumento significativo da carga tributária de alguns setores da economia, a percepção de que o ganho em termos de eficiência e a desburocratização do sistema tributário seriam tímidas demais e que, ao fim e ao cabo, a iniciativa não atacou a questão mais iminente: a complexidade e distorções inerentes ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), de competência Estadual e Municipal, respectivamente”.
Todas essas questões, que geraram intensa reação negativa da iniciativa privada, trazem ceticismo quanto ao avanço do projeto que, atualmente, aguarda a constituição pela Câmara, da Comissão Especial destinada a analisar a matéria.
Duas questões mais amplas, englobando também tributos de competência dos Estados e Municípios
PEC 110/19, do Senado Federal – O sócio da KPMG, Marcus Vinícius, salienta que tanto o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD) como o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Davi Alcolumbre, (DEM) demonstram disposição de fazer a PEC 110/19 tramitar, mas terão de se empenhar muito nesse sentido, considerando as eleições e o atual cenário político. A matéria é complexa.
“Justamente por ser uma proposição abrangente (tendo em vista que compreende não apenas o PIS e a COFINS, mas também o ICMS, o ISS e mais outros cinco tributos), a trilha a ser percorrida para se atingir o consenso será muito mais tortuosa”.
“Há hoje muitas assimetrias entre os tributos estaduais e municipais que, muitas vezes, fazem que as empresas organizem seus negócios com base na otimização da carga tributária como, por exemplo, podemos citar os incentivos fiscais concedidos como forma de atrair empresas e investimentos e que retroalimentam a chamada “guerra fiscal”. Achar um ponto de equilíbrio que satisfaça minimamente todas as partes envolvidas é o maior desafio”, complementa.
PEC 45/19, da Câmara dos Deputados – Com base no cenário atual, a tendência é que a PEC 110/19 tenha mais chances de avançar na tramitação, possivelmente, incorporando alguns aspectos que constam da PEC 45/19. Durante o primeiro mês deste ano, dois novos ingredientes aumentaram um pouco mais a fervura desse debate.
O Brasil foi oficialmente convidado a ingressar na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne as nações mais desenvolvidas do mundo. Ocorre que, para dar prosseguimento ao processo, o Brasil precisará se alinhar às normas, políticas e boas práticas difundidas por essa entidade — o que inclui, irremediavelmente, a simplificação do sistema tributário.
“A possibilidade de ingresso do Brasil na OCDE é uma ótima notícia, mas para que isso ocorra, precisamos aperfeiçoar diversos aspectos do sistema tributário como, por exemplo, a área de preços de transferência. Essa possibilidade pode acelerar algumas das propostas de reforma”, salienta Marcus Vinícius.
Marcus Vinícius, por sua vez, menciona a dificuldade da aprovação neste ano de dessas duas PECs: “Ambas melhorariam e simplificariam o modelo, mas, como alteram a Constituição, exigem aprovação qualificada de dois terços, em dois turnos de votação, em cada uma das casas do Congresso, o que é sempre um grande desafio”.
Os dois sócios da KPMG reiteram a relevância de, em resposta a uma demanda prioritária para a retomada do crescimento econômico em patamares mais expressivos, se encontrarem meios que possibilitem a continuidade dos debates e o encontro de um denominador comum.
Em que pesem os diversos desafios listados, os quais podem ameaçar o andamento da tramitação dos projetos em 2022, não há dúvidas quanto à necessidade de diminuir a complexidade e ineficiência do sistema tributário brasileiro que, invariavelmente, resulta em ineficiência e mesmo investidores preterirem o Brasil em prol de economias com sistema jurídico e tributário mais alinhado às necessidades do negócio.
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