
Enquanto muitos investidores olham para o Banco do Brasil (BBAS3) como uma mina de dividendos e estabilidade, a Legacy Capital enxerga uma tempestade no horizonte. Em carta enviada aos cotistas, a gestora revelou que mantém uma posição vendida nas ações do banco estatal — ou seja, aposta na queda dos papéis — e alerta que os dividendos, um dos grandes atrativos da ação, podem cair pela metade (ou mais).
“Os riscos na carteira agro estão subestimados pelo mercado”, afirma a Legacy, que administra R$ 15 bilhões e há algum tempo mantém essa estratégia short.
Segundo a casa, o modelo de concessão de crédito do BB está desajustado à nova realidade do setor agropecuário, que enfrenta uma fase de aumento do endividamento, piora de risco e crescimento acelerado nos pedidos de recuperação judicial.
O agro virou risco
O epicentro da preocupação está na carteira de crédito agrícola do banco. Com o fim do crédito subsidiado e a entrada de concorrentes mais ágeis, como os bancos privados e as fintechs, o Banco do Brasil perdeu espaço.
Além disso, a garantia predominante usada pelo BB — o penhor da safra — é considerada ineficiente, se comparada à alienação fiduciária da terra, padrão entre os concorrentes.
Essa fragilidade se reflete nos números. A inadimplência de curto prazo (NPL entre 15 e 90 dias) dobrou em maio em relação a março, de acordo com a gestora.
E o pior ainda estaria por vir: a concentração dos vencimentos da safra de soja entre abril e maio já sugere uma onda de inadimplência, que deve se refletir com força nos balanços de junho e julho.
O que mais chamou a atenção da Legacy foi o crescimento da carteira agro prorrogada — ou seja, renegociada para dar mais tempo ao tomador de crédito. Ela saltou de 4% para 14% do total da carteira agro, algo em torno de R$ 50 bilhões, o que representa cerca de 25% do patrimônio líquido do banco.
Embora ainda classificados no estágio 1 de risco, a gestora considera esses créditos vulneráveis a uma reclassificação para os estágios 2 ou 3, o que exigiria provisões maiores e comprometeria o lucro.
Dividendos em risco
Com o aumento das provisões e o impacto no resultado financeiro, a Legacy projeta que o lucro do segundo trimestre será bem inferior às expectativas do mercado.
Em abril, o banco lucrou R$ 1,7 bilhão. Extrapolando, isso indicaria um trimestre abaixo de R$ 5 bilhões — valor considerado fraco para o BB, especialmente para quem conta com dividendos robustos.
Essa desaceleração do lucro, segundo a gestora, deve pressionar fortemente a distribuição de dividendos, que pode sofrer um corte superior a 50%.
Isso enfraquece a tese de investimento mais popular em torno do papel: a combinação de alta remuneração ao acionista com crescimento e reprecificação das ações.
Previsibilidade comprometida
Outro ponto que incomodou a Legacy foi a retirada do guidance de lucro para 2025, anunciada pelo BB poucos meses depois de sua divulgação.
Para a gestora, o movimento prejudica a previsibilidade da empresa e levanta dúvidas sobre a consistência da estratégia, principalmente ao manter a projeção de crescimento da carteira agro mesmo em um ambiente cada vez mais incerto.
“Parte relevante da deterioração está ligada a fatores internos, e não apenas ao cenário macro”, afirma a carta.
O que significa essa aposta short?
Manter uma posição vendida (short) em uma ação significa apostar que seu preço cairá. Se isso acontecer, o gestor recompra os papéis por um valor menor e lucra com a diferença.
É uma estratégia mais comum em gestoras com perfil arrojado, mas incomum quando se trata de uma empresa estatal sólida, considerada blue chip por muitos investidores locais.
Como isso afeta investidores?
Se você investe em Banco do Brasil pensando em dividendos consistentes, a análise da Legacy serve como alerta. Não é uma recomendação de venda — mas levanta dúvidas sobre a resiliência da carteira agrícola e a capacidade do banco de sustentar seus níveis de distribuição num cenário desafiador.