
- COEs da Ambipar geram perdas de até 93% do capital investido, com papéis negociados a 13% do valor de face.
- Produtos eram atrelados a bonds de dívida internacional, sem proteção de capital.
- Especialistas alertam: COEs de crédito envolvem riscos altos e baixa liquidez, exigindo cautela redobrada.
O colapso dos COEs ligados à Ambipar (AMBP3) provocou um choque entre investidores brasileiros e levantou questionamentos sobre a segurança desses produtos estruturados. Vendidos como aplicações sofisticadas com capital protegido, muitos deles na verdade escondiam riscos elevados de crédito.
O caso acendeu um alerta vermelho sobre o mercado de Certificados de Operações Estruturadas (COEs), que cresceu 16% em 2024 e já movimenta R$ 90 bilhões, segundo dados da B3. O problema é que uma fatia relevante, quase 15%, está justamente em COEs de crédito, os mesmos que agora causam prejuízos significativos.
O que são COEs e por que eles preocupam
Os COEs surgiram como uma forma de combinar renda fixa e variável em um único produto. A promessa era simples: se o ativo subjacente se valorizasse, o investidor ganhava mais; se não, recebia o capital investido de volta. Mas, como mostram os casos da Ambipar e da Braskem, nem todos têm essa proteção.
Nos COEs de crédito, o retorno está atrelado ao desempenho de títulos de dívida de empresas. Se a companhia enfrentar dificuldades financeiras, o investidor perde, parcial ou totalmente, o valor aplicado. Foi exatamente o que ocorreu com os COEs referenciados nos bonds internacionais da Ambipar, que desabaram após a empresa pedir proteção judicial contra credores.
Com a deterioração financeira da Ambipar, seus papéis passaram a ser negociados a 13% do valor de face no mercado secundário, o que fez com que os COEs espelhassem essa queda. O resultado: investidores amargaram perdas de até 93% do capital.
Detalhes dos produtos e os erros de percepção
Documentos revelam que, embora as condições de risco constassem nos Documentos de Informações Essenciais (DIE), a complexidade dos contratos impediu que muitos investidores compreendessem o que estavam comprando.
Um COE emitido pela XP em fevereiro de 2024, por exemplo, tinha o título “Capital em Risco sobre Título de Dívida Internacional sem Exposição Cambial”. O rendimento prometido era de CDI + 4,9% ao ano, mas o investidor podia perder tudo em caso de evento de crédito.
Outro produto, do BTG Pactual, lançado em julho de 2024, oferecia IPCA + 9,5% ao ano, também com capital em risco. Ambos dependiam da saúde financeira da Ambipar e da Braskem, o que não estava claro para o público em geral. Para muitos, esses produtos pareciam tão seguros quanto CDBs ou títulos do Tesouro Direto, mas eram, na prática, apostas de alto risco.
Falta de liquidez e ausência de proteção
Outro fator agravante é a falta de liquidez. A maior parte dos COEs tem prazos longos, de cinco a dez anos, e não permite resgate antecipado. Quando o emissor enfrenta problemas financeiros, o investidor não consegue vender o ativo e fica preso ao prejuízo.
Além disso, não há garantias do Fundo Garantidor de Créditos (FGC). Como os contratos preveem o risco de perda total, não há base legal para reembolso. Ou seja, mesmo que o investidor recorra à corretora ou registre reclamação em plataformas como o Reclame Aqui, o resultado dificilmente muda.
No caso da Ambipar, a XP comunicou clientes de que alguns receberiam menos de 7% do valor aplicado. Já nos produtos atrelados à Braskem, as perdas ficaram entre 63% e 74% do capital investido. Há relatos de investidores que perderam R$ 270 mil, R$ 22 mil e até 80% em uma única aplicação.
Por que o caso deve servir de lição
O episódio da Ambipar serve como um alerta para o mercado de COEs, especialmente os de crédito. Segundo especialistas, esses produtos podem ter risco maior do que o divulgado nas campanhas de marketing, e demandam análise detalhada do ativo subjacente.
Para o investidor, é essencial entender que “capital protegido” não significa “capital garantido”. Em muitos casos, o retorno superior às taxas de mercado está diretamente ligado ao risco de crédito do emissor. Quando esse risco se materializa, o prejuízo é inevitável.
Com o aumento da oferta e a popularização dos COEs, reguladores como a CVM e a B3 devem reforçar as exigências de transparência e educação financeira. Por fim, o objetivo é evitar novos episódios como o da Ambipar, que expôs uma falha grave na comunicação de riscos ao investidor de varejo.