
O dólar é, há mais de um século, a peça central da engrenagem financeira global. Ele domina transações comerciais, lastreia commodities e figura como principal reserva de valor para os países. Mas esse reinado pode estar se aproximando de uma nova era – não necessariamente de queda, mas de divisão de poder.
Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), a fatia do dólar nas reservas cambiais internacionais caiu de 65% para 58% entre 2014 e 2024.
No mesmo período, ganhou força o discurso de “desdolarização” por parte de países como China, Rússia, Brasil e outros integrantes dos Brics. A pergunta que paira no ar é: o trono cambial dos EUA está mesmo ameaçado?
Como o dólar se tornou a moeda global
Antes da hegemonia da nota verde, era o ouro (e também a prata) que centralizava o comércio internacional. Isso começou a mudar quando os bancos centrais passaram a emitir moedas conversíveis em ouro, substituindo a movimentação física dos metais. “As mercadorias eram perecíveis e indivisíveis. Já os metais preciosos eram bons como reserva de valor”, explica Cristina Helena Mello, professora de relações internacionais da PUC-SP.
Os Estados Unidos mantiveram a conversibilidade do dólar com o ouro até 1971, enquanto outros países abandonaram essa prática.
Quando a ligação formal entre o dólar e o ouro caiu, o mundo já estava habituado a confiar na moeda americana — e não olhou para trás.
O poder invisível do dólar
Hoje, a força do dólar vai muito além das notas impressas. Ele é a base de cálculo para o comércio mundial, mesmo quando duas moedas locais estão envolvidas.
Isso acontece porque os EUA controlam o Swift, sistema que interliga bancos globais. “Se você tem dólar, você tem acesso a qualquer moeda do mundo”, resume Alexandre Viotto, diretor executivo da EQI Investimentos.
Além disso, commodities como petróleo, soja e minério de ferro são negociadas majoritariamente em dólar. O famoso “petrodólar” surgiu de acordos entre os EUA e o Oriente Médio, consolidando o dólar como referência nas transações de energia.
Por que é tão difícil substituir o dólar?
Para Marcos Weigt, diretor de tesouraria do Travelex Bank, o yuan chinês ainda não tem força para desbancar o dólar. “O euro é uma alternativa mais viável, mas ainda distante de ameaçar a liderança americana”, diz. O motivo? O tamanho da economia dos EUA, sua estabilidade política e a profundidade de seu mercado financeiro — nenhum outro país oferece isso em conjunto.
Viotto complementa: “Para o dólar cair, seria preciso que o mundo parasse de confiar no sistema americano. E isso não parece provável tão cedo.”
E os Brics?
O grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul tem falado muito em “desdolarização”, mas com poucas ações concretas. “A discussão ganhou força, mas os avanços são tímidos. Ainda não há consenso técnico nem político para uma nova moeda”, analisa Alexandre Coelho, professor da FESP-SP.
Apesar de transações bilaterais em moedas locais estarem crescendo, a maior parte das reservas dos países do Brics ainda está em dólar. Ou seja: a estratégia parece mais uma tentativa de ganhar autonomia do que uma revolução imediata.
Com informações do Valor Investe.