
- Argentinos recorrem a stablecoins para proteger economias e lucrar com o “rulo”.
- Plataformas como Ripio, Belo e Lemon Cash registram forte alta nas operações.
- O dólar digital virou refúgio diante da crise do peso e incerteza política.
O endurecimento dos controles cambiais pelo presidente Javier Milei reacendeu um velho hábito argentino: migrar para o dólar digital. Em meio à nova turbulência, cada vez mais cidadãos trocam pesos por criptomoedas, especialmente stablecoins atreladas ao dólar.
A prática ganhou fôlego após o Banco Central restringir a revenda de dólares por 90 dias. O bloqueio estimulou operações conhecidas como “rulo”, nas quais os argentinos compram dólares na taxa oficial, convertem em cripto e depois revendem no câmbio paralelo, lucrando até 4% por transação.
O rulo: arbitragem do desespero
A operação, antes restrita a especialistas, agora é parte do cotidiano financeiro. Ruben López, corretor de ações em Buenos Aires, diz operar cripto “todos os dias para escapar da inflação”. Nesse sentido, plataformas como Ripio registraram aumento de 40% nas vendas de stablecoins em apenas uma semana após o início da proibição.
Com o peso sobrevalorizado artificialmente, o mercado paralelo se tornou terreno fértil para arbitragem. Assim, segundo analistas, o rulo revela o quanto a economia argentina depende de estratégias alternativas para sobreviver a sucessivas desvalorizações e controles de capital.
Apesar da queda da inflação anual de 300% para cerca de 30%, o país ainda enfrenta perda de reservas e desconfiança de investidores. Portanto, o temor é de uma nova desvalorização logo após as eleições de outubro, o que mantém a corrida por dólares digitais.
Cripto como escudo e risco
O avanço das stablecoins mostra como o mercado cripto passou de curiosidade a ferramenta essencial para os argentinos. Plataformas como Belo, Lemon Cash e Bitso relatam saltos expressivos no volume de transações, impulsionados tanto pela busca de lucro quanto pela necessidade de proteção cambial.
De acordo com Manuel Beaudroit, CEO da Belo, usuários podem “gerar lucros de até 4% por operação”, embora admita que “isso é incomum e arriscado”. Além disso, Lemon Cash confirmou alta de 50% nas operações no início de outubro, após as novas regras do Banco Central.
A Bitso, por sua vez, destaca que o governo ainda não encontrou meios de controlar a liquidez em stablecoins, o que explica o crescimento do setor. “A cripto ainda é um território cinza na regulação argentina”, afirma Julián Colombo, gerente da exchange.
Dólar digital como válvula de escape
Para muitos, as criptos se tornaram refúgio de valor diante da incerteza política. “Uso pesos só para despesas, mantenho tudo o resto em cripto”, diz Nicole Connor, da organização Mulheres na Cripto da Argentina.
Ademais, mesmo com impostos de até 15% sobre ganhos, o uso segue em alta. O medo de nova crise fiscal e a desconfiança nas instituições locais impulsionam a adoção de stablecoins, vistas como uma forma prática de dolarizar a economia pessoal sem depender de bancos.
Por fim, analistas afirmam que a tendência deve se expandir pela América Latina. “As stablecoins viraram o novo refúgio regional”, diz López. “O dólar ainda ocupa um espaço simbólico e emocional, agora, em versão digital.”