
A tokenização de ativos finalmente superou a fase experimental e chegou ao dia a dia do investidor brasileiro. No último dia 9 de julho, a BNB Chain anunciou, ao lado da Kraken, da Bitget e da emissora suíça Backed Finance, o lançamento dos xStocks, versões on‑chain das ações da Tesla, Nvidia, MicroStrategy, Circle, Apple e do ETF SP500.
Emitidos no padrão BEP‑20 e liquidados em tempo real, esses tokens podem ser comprados em reais, fracionados a partir de centavos de dólar e movimentados 24 horas por dia, sete dias por semana, algo impossível nos pregões tradicionais.
Negociando ações 24/7: Quem está por trás?
Para o brasileiro, a porta de entrada está nas próprias corretoras de criptomoedas onde ele já compra Bitcoin ou stablecoins. Kraken e Bitget, por exemplo, habilitaram depósitos e saques dos novos xStocks diretamente na BNB Chain. Em poucos cliques, o usuário envia USDT para a conta spot e converte em TSLAx ou NVDAx.
Tudo isso sem precisar de papéis na B3 nem de autorização internacional. Os xStocks nascem em cofres segregados da Backed Finance. Cada token reflete exatamente uma ação mantida pela custodiante britânica Marex Financial, auditada mensalmente. A Kraken atua como provedor de liquidez inicial e pontes on‑chain.
Enquanto a BNB Chain oferece a infraestrutura EVM com taxas médias de US$ 0,03 por transação. Já a Bitget integrou o produto à Onchain, módulo lançado em janeiro que elimina carteiras externas e gerencia gás de forma automática, recurso que atraiu usuários latino‑americanos no primeiro semestre, 41% deles no Brasil.
Diferenças entre xStocks e recibos tradicionais
Ao contrário dos BDRs listados na B3, que só podem ser negociados entre 10h e 17h (horário de Brasília) e exigem lote mínimo ou taxa de custódia, os xStocks permitem operações fracionadas a qualquer hora e liquidação instantânea em stablecoins. E a custódia também muda.
Em vez de ficar em nome do investidor junto a um banco depositário, o ativo fica no endereço que ele controla na blockchain, embora o lastro continue registrado em clearing suíça sob custódia regulada. Por serem tokens estrangeiros, o ganho de capital segue tributação de cripto‑ativos (isenção até R$ 35 mil mensais), não a de ações.
Essas características explicam a atual migração de arbitradores. Mas, embora o holofote esteja nas gigantes de tecnologia, o pipeline já inclui papéis de energia limpa, saúde e até REITs norte‑americanos.
A xStocks Alliance afirma que terá mais 50 ativos até setembro, enquanto a PancakeSwap, principal DEX da BNB Chain, bateu 67,3 bilhões de dólares de volume semanal em 130de junho, estabelecendo a liquidez necessária para negociar esses papéis na madrugada de Brasília.
O investidor brasileiro e o mosaico regulatório
O avanço dos xStocks coincide com um momento em que o regulador brasileiro acomoda, em velocidade inédita, a convergência entre mercado de capitais e infraestrutura blockchain.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) manteve a BEE4, primeiro mercado organizado 100% tokenizado do país, dentro do sandbox regulatório até junho de 2026.
E já analisa o pedido da plataforma para operar de forma definitiva, sob a RCVM 135. O parecer interno que embasa essa transição, publicado em janeiro de 2025, deixa claro que a “ampliação do uso de blockchain” é prioridade e exige a criação de uma depositária central própria, conectada à Núclea, para liquidação dos tokens emitidos.
O Banco Central também acelerou. A segunda fase do Piloto Drex, foi iniciada em outubro de 2024. Foram selecionados 16 consórcios para testar transações de RWA, como imóveis, recebíveis de cartão e debêntures, diretamente na rede do real digital.
A Resolução BCB 423/2024, que rege a etapa, enfatiza “simples experiência do usuário” e interoperabilidade com blockchains públicas. Abrindo, assim, caminho para que tokens como TSLAx ou AAPLx circulem em pools lastreadas em reais.
O relatório oficial da primeira fase comprovou liquidação DVP de títulos federais e uso bem‑sucedido de provas de conhecimento‑zero para privacidade.
Já os documentos técnicos apresentados em julho detalham casos de uso futuros para crédito colateralizado em CDB, reforçando que o Drex nasceu para acomodar desde stablecoins até ações tokenizadas.
Benefícios práticos: Diversificação contínua e fracionamento real
Com o arcabouço local mais claro, o investidor brasileiro já começa a perceber vantagens tangíveis. Diferentemente dos BDRs, cujo lote padrão ainda é de uma unidade, os xStocks se encaixam nas regras de tributação de cripto‐ativos. Lucros abaixo de R$ 35 000 por mês seguem isentos de Imposto de Renda.
Para muitos pequenos investidores, isso significa operar ações da Apple sem que a DARF vire rotina mensal. A Backed Finance mantém cada xStock respaldado por uma ação real, sob custódia da Marex Financial, auditada mensalmente, mas, para o investidor, o risco de contraparte não desaparece.
Se o custodiante falhar, o token perde paridade. Há ainda questões de governança. Ao contrário de um acionista tradicional, o detentor de TSLAx não recebe voto nem direito a dividendos diretamente.
Tudo depende do estatuto de distribuição da Backed. Especialistas tributários lembram que a Receita Federal poderá, a qualquer momento, equiparar xStocks a ações estrangeiras, exigindo carnê‑leão sobre dividendos.