
Com a derrubada pelo Congresso do decreto que aumentava o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) perdeu uma de suas principais apostas para equilibrar as contas públicas. Sem os cerca de R$ 10 bilhões que seriam arrecadados ainda este ano, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT-SP), vê o cerco se fechar e precisa escolher entre cortar gastos impopulares ou enfrentar pressões do mercado.
Nos bastidores, o impasse gira em torno de recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), que pode reacender o conflito entre Executivo e Legislativo, mas não garante sucesso.
Caso o caminho jurídico fracasse, a tesoura terá que entrar em cena. E é aí que começa a disputa de visões.
O que o mercado quer: Estado menor e salário mínimo congelado
A elite financeira tem uma agenda clara: menos Estado, menos salário e menos regras fiscais rígidas para áreas sociais. As propostas que circulam com apoio de economistas renomados e entidades do setor incluem:
- Congelar o salário mínimo real por até 6 anos, como sugerido por Arminio Fraga.
- Desvincular os benefícios sociais e previdenciários do salário mínimo, limitando reajustes apenas à inflação.
- Reduzir o piso constitucional para saúde e educação, atrelar os investimentos ao arcabouço fiscal e abrir uma folga de até R$ 190 bilhões em 10 anos.
- Fazer nova reforma da Previdência, endurecendo ainda mais as regras, diante do envelhecimento da população.
- Reformar o funcionalismo, com salários iniciais menores, progressão mais lenta e possibilidade de demissão por desempenho.
O que o governo propõe: menos privilégio
A equipe econômica de Lula também tem sua lista de cortes, mas com foco no topo da pirâmide:
- Reduzir os supersalários de juízes, promotores e altos servidores, limitando penduricalhos que estouram o teto constitucional.
- Cortar os repasses federais ao Fundeb, reduzindo o crescimento da contribuição da União para a educação básica.
- Rever subsídios empresariais, que somam R$ 800 bilhões ao ano, como as desonerações da folha de pagamento.
- Reformar a previdência dos militares, cujo déficit por pessoa é 17 vezes maior que o do INSS.
- Ajustar gastos com pessoal, mas sem desmontar o serviço público.
Pressão tripla: política, econômica e social
O problema, segundo analistas, é que nenhuma das soluções é fácil de aprovar politicamente – muito menos em ano pré-eleitoral. “O Congresso quer manter as emendas parlamentares, não quer novo imposto e também não topa cortar gastos que o afetem diretamente”, resume Fabio Andrade, professor da ESPM.
Ele alerta que o mercado pode estar errando na dose: “O Estado teve papel central nas crises recentes, como a pandemia. Ignorar isso é repetir erros da crise de 2008”.
A economista Marisa Rossignoli, do Corecon-SP, prevê cortes imediatos e pressiona por reformas de longo prazo. “A curto prazo, a tesoura do governo Lula deve cair em gastos mais fáceis de cortar. No longo, o desafio é repensar a estrutura de custeio da máquina pública e sua eficiência”.