Escândalo financeiro

Banco aceitou terreno indígena avaliado em R$ 100 milhões como garantia de empréstimo bilionário

Área pobre e invadida por indígenas teve valorização de 11.000% em 25 dias e serviu como garantia de crédito milionário aprovado por banco sob investigação do Banco Central.

Índigenas - Reprodução: Turismo e crise climática: Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Índigenas - Reprodução: Turismo e crise climática: Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
  • Terreno em área indígena foi usado como garantia de um empréstimo de R$ 356 milhões após valorização artificial de 11.000%.
  • A Justiça bloqueou o imóvel e apontou indícios de fraude; a Griffood, empresa beneficiada, acumula dívidas e protestos.
  • O Banco Central analisa a operação e ainda não aprovou a venda do Banco Master ao BRB.

No sul da Bahia, um terreno localizado em uma região periférica de Santa Cruz Cabrália virou o centro de uma operação financeira bilionária. A área, marcada pela pobreza e disputada por indígenas, teve seu valor multiplicado em 11.000% em apenas 25 dias.

Essa valorização estratosférica permitiu à Griffood Brasil Alimentos usar o imóvel como principal garantia para obter R$ 356 milhões junto ao Banco Master. Apesar do risco e das características do terreno, o banco aprovou o empréstimo. Hoje, tanto a Justiça quanto o Banco Central investigam a operação.

Avaliação suspeita e envolvimento de empresas do mesmo grupo

Tudo começou quando a Mar Azul vendeu o terreno à FXF Empreendimentos por R$ 500 mil. Depois, o imóvel passou para a Taipe Empreendimentos por R$ 900 mil. Em poucos dias, a Newmark, uma empresa da Faria Lima, reavaliou a área em R$ 100 milhões.

Curiosamente, todas as empresas envolvidas pertencem ao mesmo grupo econômico. O representante da Griffood, João Jacques Lima, confirmou que o próprio banco recomendou a Newmark como avaliadora. Apesar disso, o escritório negou qualquer ligação com o Master e afirmou ter seguido critérios técnicos.

Contudo, a metodologia usada levantou dúvidas. A avaliação comparou o terreno com áreas nobres à beira-mar, mesmo ele estando em um bairro sem saneamento, dominado por facções e com presença de comunidades indígenas. Corretores da região afirmam que a área não vale nem 10% da cifra mencionada.

Empréstimo bilionário, alienação judicial e risco sistêmico

Apesar dos alertas, o Banco Master liberou o empréstimo em dezembro de 2023. Segundo Lima, a empresa usou parte do valor, enquanto outra fatia retornou ao próprio banco. A Griffood, porém, enfrenta processos de cobrança e até pedido de falência por dívidas em cartório.

Um corretor de imóveis que participou da transação entrou na Justiça após não receber sua comissão. Durante o processo, ele descobriu que a empresa usou o terreno como garantia e que a operação apresentava indícios de fraude. A Vara Cível de Cabrália bloqueou o imóvel e notificou os Ministérios Públicos Estadual e Federal.

Especialistas alertam para o risco sistêmico. A professora Cristina Mello, da PUC-SP, explicou que não se pode negociar livremente terrenos reivindicados por indígenas. Além disso, a baixa liquidez da área agrava os riscos financeiros da operação.

Grupo empresarial usa laranjas e nega envolvimento

A Griffood faz parte de uma rede de mais de 80 empresas ligadas entre si, muitas delas com indícios de laranjas. Renata Galvão, filha de Lima, consta como sócia de algumas delas, mas afirmou que nunca teve envolvimento direto.

Lima alegou ser “pescador artesanal” para obter gratuidade judicial, mas testemunhas o viram em um shopping de luxo na Faria Lima. Ele reconheceu a operação, disse que parte do valor ainda será usada e que o banco assumiu os riscos. No entanto, o terreno segue alienado em nome do Master.

A empresa se recusou a detalhar como a dívida foi quitada. Em nota genérica, informou apenas que a operação seguiu o “Manual de Crédito” e que “já foi encerrada”. O Banco Central, por sua vez, ainda não se manifestou sobre a compra do Master pelo BRB, que segue suspensa.

Luiz Fernando

Licenciado em Letras e Graduando em Jornalismo pela UFOP; Atua como redator realizando a cobertura sobre política, economia, empresas e investimentos.

Licenciado em Letras e Graduando em Jornalismo pela UFOP; Atua como redator realizando a cobertura sobre política, economia, empresas e investimentos.