
A escalada das tensões entre Brasil e Estados Unidos provocada pela decisão do presidente americano Donald Trump de impor uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros teve um desdobramento inesperado dentro dos veículos de jornalismo brasileiro nesta quinta-feira (10): um editorial do Estadão, que condena a medida e, em um movimento raro, faz elogios ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Sob o título “Coisa de mafiosos”, o texto publicado pelo O Estado de S. Paulo dá uma trégua com a postura habitual do jornal de críticas duras ao atual governo para denunciar aquilo que classifica como “uma chantagem política e econômica” de Trump.
“Trata-se de coisa de mafiosos. Trump usa a ameaça de impor tarifas comerciais ao Brasil para obrigar o País a se render a suas absurdas exigências”, afirma o texto.
Editorial ataca Trump e desmonta carta ao Brasil
O editorial foca especialmente na carta enviada por Trump a Lula, na qual o republicano condiciona a retirada das tarifas ao arquivamento das investigações contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e critica decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a regulação do discurso de ódio nas redes sociais.
O Estadão descreve a carta como uma “mixórdia de exclamações, frases desconexas e argumentos esquizofrênicos”, e aponta que ela representa uma grave tentativa de interferência nos assuntos internos do Brasil:
“Trump pretende interferir diretamente nas decisões do Judiciário brasileiro, sobre o qual o governo federal não tem nenhum poder”, reforça o editorial.
“Trump mentiu descaradamente”
O jornal também rebate a justificativa econômica dada por Trump para a nova tarifa — um suposto déficit comercial dos EUA com o Brasil. Com dados oficiais, o editorial mostra que os Estados Unidos têm, na verdade, um robusto superávit comercial com o Brasil.
“Trump mentiu descaradamente na carta para justificar a medida drástica”, afirma o texto, desmentindo a principal alegação da Casa Branca.
Rara defesa de Lula e crítica à direita
Em um tom surpreendente para um veículo historicamente crítico ao petismo, o Estadão considerou “correta” a resposta inicial de Lula, que reafirmou a soberania brasileira e sinalizou com a Lei de Reciprocidade Econômica, aprovada em abril.
“A reação inicial de Lula foi correta. O presidente lembrou que o Brasil é um país soberano, que os Poderes são independentes e que os processos contra os golpistas são de inteira responsabilidade do Judiciário”, reconhece o editorial.
A crítica se estende ao ex-presidente Jair Bolsonaro, chamado de “irresponsável”. Também sobra para o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que recentemente apareceu em público vestindo o boné do movimento MAGA (Make America Great Again), símbolo da campanha de Trump.
“Vestir o boné de Trump, hoje, significa alinhar-se a um troglodita que pode causar imensos danos à economia brasileira”, dispara o texto.
Final em tom de manifesto nacionalista
O editorial encerra com um apelo enfático à união dos brasileiros contra o que o jornal descreve como “arreganhos autoritários” de Trump e Bolsonaro:
“Que o Brasil não se vergue diante dos arreganhos de Trump, de Bolsonaro e de seus associados liberticidas. E que aqueles que são verdadeiramente brasileiros, seja qual for o partido em que militam, não se permitam ser sabujos de um presidente americano que envergonha os ideais da democracia.”