
- Governo chinês injeta bilhões em empresas com crédito subsidiado e fundos estatais
- Dívida total do setor não financeiro já passa de 280% do PIB, com alto risco fiscal
- EUA e Europa reagem com tarifas, e modelo começa a mostrar sinais de desgaste
A China opera com um modelo econômico que funde Estado e mercado. Logo, em vez de separar os dois polos, o governo chinês os integra em uma estrutura única, voltada para metas industriais. Assim, em 2024, Pequim destinou cerca de US$ 33 bilhões em subsídios diretos a empresas listadas, conforme dados da Wind e do Wall Street Journal.
Nesse sentido, considerando incentivos fiscais, energia subsidiada, terrenos descontados e crédito abaixo do custo, o apoio estatal representa de 3% a 5% do PIB, segundo o CSIS. Esses recursos não são aleatórios: o governo escolhe setores estratégicos, canaliza investimentos e molda empresas que cumprem funções geopolíticas e econômicas.
Fundos, subsídios e campeões nacionais
Desde 2014, a China mobilizou mais de US$ 98 bilhões por meio do “Big Fund”, criado para fortalecer a indústria de semicondutores. Em maio de 2024, uma nova rodada de aportes liberou US$ 47,5 bilhões. Em abril de 2025, um fundo paralelo focado em inteligência artificial recebeu mais US$ 8,3 bilhões. Os alvos são claros: liderar setores do futuro e reduzir a dependência externa.
Além disso, empresas como a CATL, maior fabricante de baterias do mundo, receberam US$ 790 milhões em subsídios em 2023. A YMTC, que produz chips, acumulou US$ 2,9 bilhões entre 2020 e 2023. Elas não apenas lideram seus mercados, mas são peças-chave na estratégia de substituição de importações e de supremacia tecnológica.
Desse modo, essas gigantes também se beneficiam de um sistema financeiro direcionado. Então, o China Development Bank e o Exim Bank atuam como braços do governo, oferecendo crédito com juros inferiores aos de mercado. Em 2023, a SMIC captou recursos com taxas de 2,1%, enquanto a taxa oficial estava em 4,2%. Isso mostra o grau de controle da política industrial.
Dívidas ocultas e riscos crescentes
O crédito não flui apenas por bancos. Os LGFVs (Local Government Financing Vehicles), criados por governos locais, operam fora do orçamento federal. Eles acumulavam, até o fim de 2024, entre US$ 7 trilhões e US$ 11 trilhões em dívidas, segundo a S&P. Esses valores são garantidos de forma implícita pelo Estado, o que aumenta os riscos fiscais.
Ademais, boa parte dessa dívida está associada a investimentos ineficientes. Cerca de US$ 800 bilhões são classificados como de alto risco de calote. Ainda assim, o modelo persiste. Ao somar as dívidas das empresas, dos governos locais e dos LGFVs, a China atingiu 286% do PIB em 2024. A dívida corporativa, sozinha, já representa 172% do PIB, segundo o BIS.
Portanto, esse endividamento crescente está deteriorando a produtividade do crédito. Em 2008, cada yuan emprestado gerava 0,8 yuan em crescimento. Em 2025, esse número despencou para 0,27. A Moody’s afirma que muitas estatais operam com dívidas líquidas superiores a 15 vezes o EBITDA, evidenciando baixa eficiência.
Pressão externa aumenta e modelo balança
A resposta internacional veio forte. Em 2024, os EUA impuseram tarifas de 100% sobre veículos elétricos chineses. A União Europeia respondeu com sobretaxas de até 38%, atingindo também painéis solares, turbinas e produtos químicos. O argumento central é que os subsídios chineses violam as regras da OMC e ameaçam as indústrias locais.
Além disso, Pequim nega as acusações. Alegando que seus subsídios estão dentro das normas multilaterais e acusa o Ocidente de protecionismo disfarçado de regulação ambiental. No entanto, as pressões internas também cresceram. Embora o déficit oficial para 2025 tenha sido fixado em US$ 780 bilhões, o Rhodium Group estima que o déficit real supere US$ 1,9 trilhão.
Em suma, diante do cenário, o governo aprovou um plano emergencial de refinanciamento da dívida local de US$ 839 bilhões até 2026. Pequim também iniciou auditorias em fundos locais, revisou regras para concessão de subsídios e tenta reforçar os mercados de capitais como alternativa de financiamento.
A encruzilhada do século XXI
Apesar dos ajustes, o dilema permanece. Reduzir o apoio estatal pode gerar desemprego urbano e desacelerar a indústria. Manter o modelo, por outro lado, alimenta distorções fiscais e amplia o confronto com o Ocidente.
Ademais, as escolhas que a China fizer agora definirão não apenas o futuro de sua política industrial, mas também o rumo das cadeias produtivas globais e da arquitetura econômica internacional.
Portanto, o embate entre eficiência e controle, transparência e poder estatal, será um dos temas centrais da década.