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Cumprir meta não faz diferença com dívida em alta, diz economista

Marcos Lisboa alerta sobre riscos fiscais, destacando inconsistências no arcabouço que podem comprometer o equilíbrio das contas públicas.

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  • Marcos Lisboa, sócio-diretor da Gibraltar Consulting, mantém uma perspectiva negativa quanto ao futuro das contas públicas no Brasil
  • Embora reconheça o bom desempenho atual da economia, como indicam os últimos dados do PIB, Lisboa ressalta que isso não é suficiente para aliviar suas preocupações fiscais
  • Lisboa, no entanto, destaca que os avisos feitos por ele e outros especialistas, como Marcos Mendes, sobre as falhas no novo arcabouço fiscal, estão se concretizando
  • Ele, portanto, alerta para a retomada de manobras fiscais, com destaque para o exemplo dado pelo Banco Central, que não considerou como receita primária os recursos esquecidos em bancos e apropriados pelo Tesouro Nacional

O economista Marcos Lisboa, sócio-diretor da Gibraltar Consulting, mantém uma visão pessimista sobre o futuro das contas públicas do Brasil. Embora reconheça que a economia vive um “bom momento”, como mostram os últimos dados do PIB, Lisboa afirma que os alertas de diversos especialistas, incluindo ele e o economista Marcos Mendes, sobre as falhas no novo arcabouço fiscal, estão se confirmando.

Ele destaca uma nova preocupação: a volta dos chamados “truques fiscais”, que ganharam destaque nas últimas semanas. Um exemplo é o alerta do Banco Central. O qual decidiu não considerar como receita primária os recursos esquecidos em bancos por correntistas e apropriados pelo Tesouro Nacional.

“O Congresso está dizendo que, por lei, essa receita vai ser primária. O Banco Central e as normas da contabilidade dizem que não deveria ser. A criatividade na contabilidade pública está voltando com força”, afirma Lisboa ao Estadão.

Lisboa aponta que as metas fiscais do novo arcabouço se mostram insuficientes para conter o aumento da dívida pública, pois excluem várias despesas dos cálculos.

 “Em última instância, é o impacto na dívida que realmente importa. Cumprir a meta dessa forma não diz muita coisa”, explica.

Segundo ele, o governo precisa adotar uma revisão de gastos mais rigorosa, conduzida por uma agência independente, com diretores de mandatos fixos. Ele também argumenta que as políticas de indexação de gastos não estão trazendo melhorias na qualidade dos serviços públicos. Assim, especialmente nas áreas de saúde e educação.

Entrevista

Ao ser questionado sobre mandatos, políticas econômicas e projeções do PIB, Lisboa, no entanto, deixou clara sua posição. A seguir, os principais trechos da entrevista.

A equipe econômica diz, com razão, que o mercado tem errado muito as projeções de PIB e agora há quem aponte que a meta fiscal pode ser cumprida. A foto está melhor, mas o filme continua ruim?

O governo enfrenta a questão fiscal de forma muito preocupante, criando receitas temporárias para pagar despesas permanentes. A receita sobe em um ano com medidas pontuais, mas isso aumenta o gasto de forma permanente nos anos seguintes. Um exemplo disso acontece com as decisões do Carf. E também é muito preocupante um governo ter meta de condenação administrativa. Um tribunal como o Carf é para julgar o certo e o errado, não para ter meta de condenação ou de arrecadação. É uma disfuncionalidade da política pública, é bastante grave.

O crescimento das despesas indexadas, como salário mínimo e pisos da saúde e educação, é o principal problema do arcabouço?

Quando saiu o arcabouço, e eu o Marcos Mendes alertamos sobre isso: há uma inconsistência. Não interessa o nível de arrecadação. Como a receita cresce, a despesa obrigatória também cresce. Há um limite para o crescimento da despesa total e isso vai comprimindo as despesas discricionárias (não obrigatórias, como investimentos e custeio da máquina pública). Um ano depois, o problema está aí – e já há membros da equipe econômica que reconhecem isso.

Quais as medidas mais essenciais para corrigir essas distorções? O debate passa, por exemplo, pelo fim das indexações?

O que interessa é o crescimento da dívida pública, do ponto de vista fiscal. E, para isso, a gente precisa ter receitas permanentes, de um lado, e despesas permanentes, de outro. A contabilidade não deveria inserir receitas temporárias. Agora, há medida no Congresso para transferir com mais agilidade depósitos judiciais para o Tesouro Nacional. Depósitos pelos quais famílias ainda estão se mobilizando e podem nem pertencer ao governo.

Essa receita é financeira ou primária?

O Congresso está dizendo, por lei, que vai ser primária. O Banco Central, as normas da contabilidade dizem que não deveriam ser. A criatividade na contabilidade pública está voltando com força.

Também foi apontada uma manobra no Auxílio Gás, embora a equipe econômica já esteja se mobilizando para derrubar a ideia, que veio do Ministério de Minas e Energia…

Sim, uma ameaça de fazer o pagamento via Caixa, sem transitar da maneira correta pelo Orçamento. Isso tudo significa apresentar contas públicas que sugerem uma solvência que, no fim do dia, não acontece – e a dívida cresce. Mas a conta não vem na hora. O descontrole a partir de 2009 a 2013 se manifestou em 2015. Você vai empurrando os problemas para debaixo do tapete, a economia aparentemente vai bem, mas, de repente, se interrompe o processo.

Exclusões e Indexações

O cumprimento da meta tem muitas exclusões: precatórios, socorro ao Rio Grande do Sul, parte dos investimentos. Isso é problemático?

São diversos truques. Uma coisa não entra na despesa, outra sai da despesa primária. Se é isso, vamos esquecer o superávit primário, que está se tornando um guia pouco relevante para a preocupação principal, que é o aumento da dívida pública.

E as indexações?

Tem de rever as vinculações. Há indícios de uma série de problemas nas contas da Previdência que estão indexadas ao salário mínimo. O BPC (Benefício de Prestação Continuada), por exemplo, e outros benefícios estão com crescimento muito forte. E tem de mudar o foco na discussão sobre saúde e educação.

Por quê?

O gasto não tem virado melhora na qualidade da política pública. A educação teve um aumento grande de gasto, isso se transformou em aumento de salário para professores e aposentadorias. Mas e do ponto de vista do aluno? O foco deveria ser o aprendizado. Se eles não estão aprendendo, há algo de muito errado. O Brasil não pode ficar atrás dos demais emergentes. Estamos condenando uma geração a ter dificuldades no mercado de trabalho – e num mundo em que a tecnologia do conhecimento está aumentando.

Essas pautas são caras para um governo de esquerda. Como convencer o presidente em um ambiente político extremamente polarizado?

Queria que essa agenda fosse cara ao governo. Queria que o governo estivesse preocupado com a qualidade do ensino, aprendizados dos estudantes, a vacinação. Ou a focalização das políticas sociais dos mais pobres, e não das empresas mais ricas. Essa pauta do patrimonialismo no Brasil é ecumênica. Esquerda e direita votam igual na grande maioria dos casos. Conceder proteção para setores, a emenda Pix, possibilidade de a emenda ir direto para o caixa dos governos locais, sem transparência, isso tudo é compartilhado por esquerda e direita.

A equipe econômica estuda colocar a indexação limitada a um teto de 2,5%. Isso pode ter algum efeito?

Acho que pode ser. Mas queria ver antes uma discussão mais cuidadosa sobre a qualidade da política pública e do gasto. Vamos dando soluções paliativas, como agora pegar depósitos judiciais, dizer que é primário, tira despesa da meta. Truques vão sendo criados. Depois a crise vem e fica todo mundo olhando para o lado, olhando de quem é a culpa.

Por que a agenda de revisão de gastos não está andando?

Acho que isso não é um tema da política pública no Brasil. Em 2005, o Ministério da Fazenda soltou um documento que defendia uma agência independente, com mandato, para avaliar a eficácia do gasto. Mas isso não é o desejo e a prática da política pública no Brasil. Independentemente de ser governo de esquerda e de direita. Há vontade de gastar, de atender a interesses particulares. Sou muito cético de uma agenda de avaliação que não seja realizado por uma agência independente, com mandatos. No Brasil, o próprio gestor que faz a política avalia a política. Ele não vai reconhecer fracasso, vai ter resistência.

O sr. enxerga o risco de termos, em 2027, algo semelhante com o que ocorreu em 2015, ou seja, que a economia seja obrigada a passar por uma crise, ou um ajuste de forma abrupta?

Há tempo para corrigir isso, até lá. Mas veja o déficit das estatais, por exemplo: já houve um forte aumento nos últimos dois anos. A Emgea (Empresa Gestora de Ativos) agora vai poder securitizar crédito imobiliário, e de forma peculiar.

Qual o problema com a Emgea?

Ela vai comprar crédito imobiliário do sistema financeiro e emitir títulos que podem não estar vinculados a esses créditos. Isso permite um descasamento entre o ativo que foi comprado e o título que será emitido. No fim, isso é risco para o Tesouro. Se esse descasamento se realizar, vai ser uma conta adicional para o setor público. Se o governo quer que a Emgea tenha esse papel, ela deveria ser tratada com o mesmo rigor dos bancos: fazer avaliação de perda esperada, risco de descasamento e responsabilização dos gestores públicos que estão fazendo as operações. Isso é fundamental; do contrário, vamos comprar problema para frente, e mais uma vez, a sociedade brasileira vai pagar a conta.

Já se diz que a dívida pode subir 20 pontos (em relação ao PIB) em dez anos. Dá para isso acontecer sem haver uma crise?

Isso custa ao País, principalmente em termos de juros. A economia brasileira é muito volátil. Nos últimos 40 anos, houve 26 anos de crescimento e 14 anos de crise. Isso é muita coisa. País rico tem três, na média. País emergente, também três. O Brasil destoa:tem anos que está bem, crescendo a 3%, como este ano; e aí, de repente, vem a crise, entra em depressão, porque é mais grave. Fica uma visão de que ou vai dar tudo certo ou tudo vai acabar. Temos de sair desse ciclo maníaco-depressivo. Tem de sair também da polarização liberal e desenvolvimentismo. O Estado é fundamental para várias coisas, mas é preciso discutir como, onde, a forma. Política pública tem papel fundamental para melhorar a vida das pessoas.

E na política monetária? Como o sr. está vendo a transição no Banco Central?

A missão do BC é manter inflação estável. A forma usual de fazer isso é garantir a inflação estável minimizando custo social, como atividade e emprego. Isso é a boa prática há 30 anos no mundo. Por que gera tanto barulho no Brasil, me surpreende. Acaba atrapalhando a economia desnecessariamente. Nosso Banco Central funciona muito bem, há muitas décadas. Com exceção do governo Dilma, em que o BC tentou ser criativo e baixou juros quando toda a evidência que não deveria fazer isso, o BC no Brasil faz trabalho incrível.

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