
- Juros do consignado CLT chegam a 160% ao ano.
- Inadimplência e reclamações contra bancos disparam.
- Especialistas alertam: modelo é predatório e ameaça o salário do trabalhador.
O crédito consignado para trabalhadores com carteira assinada, vendido pelo governo como uma alternativa mais acessível ao endividado, transformou-se em um problema ainda maior. Em apenas cinco meses, a linha passou de promessa de alívio para fardo pesado no bolso de quem acreditou na propaganda oficial.
Dados recentes do Banco Central e da gestora Opportunity mostram que os juros dispararam e já atingem patamares de até 160% ao ano em algumas instituições. A média também subiu forte: saiu de 40% antes da medida para 53% ao ano agora, um custo que supera inclusive os juros do crédito pessoal e rivaliza com as linhas mais caras do mercado.
A disparada dos juros
O aumento nos custos do consignado CLT começou após o lançamento do programa Crédito ao Trabalhador. O programa permite empréstimos sem convênio formal entre empresas e bancos. A expectativa inicial era de que as garantias envolvidas, como desconto em folha e parte do FGTS, reduzissem os riscos. Essas garantias poderiam, portanto, baratear os financiamentos.
O efeito, no entanto, foi o oposto. Segundo a Febraban, os bancos se surpreenderam com a qualidade de crédito dos trabalhadores, o que elevou rapidamente as taxas para compensar o risco maior de inadimplência. O índice de calotes já começou a subir: saiu de 3,62% em março para 3,73% em julho, movimento que preocupa as instituições e compromete ainda mais a confiança do sistema.
No total, já foram movimentados cerca de R$ 23 bilhões dentro de uma carteira que soma R$ 55 bilhões, número expressivo para uma modalidade que ainda engatinha, mas que cresce em ritmo acelerado e com distorções graves. A disparada dos juros mostra que a política pública falhou em seu objetivo central.
Críticas e riscos
A percepção entre especialistas do setor é de que o programa se tornou um tiro pela culatra. Para o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), a linha de crédito acabou mais cara do que as modalidades tradicionais, mesmo com garantias que, em tese, deveriam reduzir o risco. Reclamações se multiplicam contra bancos e fintechs, que vão desde taxas abusivas até a contratação sem autorização do cliente.
Entre as instituições mais citadas estão Caixa Econômica Federal, Inter, Safra, além das fintechs Agibank e Parati. Em alguns casos, o problema envolve a margem consignável, ou seja, o percentual máximo do salário que pode ser comprometido. Trabalhadores relatam que tiveram deduções sem clareza de contrato, situação que agrava ainda mais a sensação de insegurança.
Especialistas também alertam para o uso do FGTS como garantia. Se o trabalhador perde o emprego antes do previsto, parte do fundo pode ser bloqueada ou comprometida com o pagamento do consignado, antecipando perdas em momentos de maior fragilidade financeira.
O impacto no trabalhador
O peso do crédito consignado CLT começa a aparecer na vida real do trabalhador. Uma pesquisa da Associação Brasileira de Educadores Financeiros mostrou que metade dos que contrataram o crédito estão com dificuldades de manter as parcelas em dia. Para o presidente da entidade, Reinaldo Domingos, a linha se tornou predatória: retira até 35% do salário líquido de quem já não conseguia sobreviver com a renda integral.
Ademais, a situação também tem reflexos no ambiente de trabalho. Quando o funcionário contrata um consignado, a empresa é automaticamente notificada pela dedução em folha. Isso pode afetar a imagem do trabalhador internamente e até comprometer sua relação profissional, abrindo espaço para discriminação velada ou pressão indireta por desempenho.
Há ainda o efeito psicológico. Endividamento elevado, perda de poder de compra e risco de bloqueio do FGTS criam um cenário de estresse que impacta saúde mental e produtividade. Portanto, em vez de resolver, o consignado CLT amplia a vulnerabilidade do trabalhador.
Vale a pena contratar agora?
A resposta de especialistas é quase unânime: não. As taxas atuais do consignado CLT são muito altas e tornam o crédito pouco vantajoso em comparação com outras linhas. Além disso, a instabilidade no mercado de trabalho e a baixa duração média dos empregos formais, de cerca de dois anos, aumentam o risco de problemas futuros.
Além disso, o IDEC recomenda que o consumidor utilize a calculadora do Banco Central antes de contratar qualquer linha. Diferenças entre as simulações oficiais e o valor oferecido pelo banco podem esconder cobranças extras ou custos não transparentes. Na prática, esse alerta reforça a falta de confiança que o programa conseguiu gerar em tão pouco tempo.
Enquanto o governo promete ajustes, a orientação dos economistas é simples: evitar o consignado CLT no formato atual. Por fim, o crédito que nasceu como promessa de alívio virou sinônimo de armadilha financeira, comprometendo salários e corroendo a renda de quem menos pode arcar com juros exorbitantes.