
- Refinanciamentos sem consentimento disparam número de dívidas e comprometem a renda de aposentados
- Bancos lucram com comissões e juros sobre renegociações não autorizadas
- Falhas de fiscalização e dificuldade de cancelamento agravam o endividamento dos segurados
Aposentados e pensionistas que contrataram empréstimos consignados junto ao INSS denunciaram refinanciamentos automáticos e não autorizados em seus contratos.
De acordo com reportagem exibida pela GloboNews nesta segunda-feira (5), advogados especializados em direito previdenciário identificaram contracheques com até 11 contratos simultâneos em nome de um único beneficiário. A maioria desses registros se refere a refinanciamentos feitos sem consentimento.
A prática se tornou vantajosa para os bancos, já que cada renegociação gera uma nova comissão e aumenta o prazo da dívida, resultando em juros maiores e um retorno financeiro expressivo para as instituições.
Os relatos apontam para um esquema recorrente, onde a dívida inicial se transforma em um ciclo de endividamento crescente, afetando a renda já limitada de aposentados e pensionistas.
Em 2023, pelo menos 35 mil beneficiários registraram reclamações formais ao Tribunal de Contas da União (TCU) sobre renovações de empréstimos sem autorização.
No mesmo ano, o INSS liberou R$ 89,5 bilhões em crédito consignado. Parte significativa desse valor está atrelada a contratos cujo controle efetivo escapa das mãos dos beneficiários.
Como funciona o empréstimo consignado
O consignado funciona como um crédito com desconto direto na folha de pagamento, e oferece juros menores que os de outros tipos de empréstimos. Para aposentados e pensionistas, a legislação permite que até 45% da renda mensal seja comprometida com essa modalidade.
A contratação, em tese, só pode ser feita por meio do aplicativo “Meu INSS”, mediante autorização expressa do usuário para o compartilhamento de dados com a instituição financeira.
No entanto, o que deveria ser um processo transparente se torna confuso quando, sem perceber, o segurado começa a ver múltiplos descontos relacionados a renegociações do contrato original. Em muitos casos, essas novas dívidas não foram autorizadas, mas já aparecem registradas como “ativos” nos contracheques.
As renegociações sucessivas elevam o montante total devido, os juros cobrados e, como resultado, reduzem ainda mais a margem de renda disponível para o beneficiário. Bancos ganham mais com cada novo refinanciamento e o consumidor, muitas vezes sem acesso fácil à informação ou orientação adequada, continua refém de cobranças indevidas.
O difícil caminho do cancelamento
Mesmo após denúncias, os aposentados enfrentam uma longa jornada para reverter os danos. O cancelamento exige que o segurado acesse o Portal do Consumidor. O problema é que nem todas as instituições estão cadastradas, o que impede a formalização de reclamações contra determinados bancos.
Pelo protocolo da plataforma, a empresa tem até 10 dias para responder, e o consumidor, mais 20 para avaliar a resposta. Porém, muitos aposentados sequer têm acesso à internet ou conhecimento digital para concluir essas etapas. Com isso, os bancos continuam renovando empréstimos unilateralmente, apesar de uma decisão da Justiça de 2022 proibir expressamente essa prática.
A decisão judicial da 1ª Vara da Fazenda Pública de João Pessoa proibiu os bancos Mercantil do Brasil, BMG, Pan e C6 de realizarem atualizações automáticas sem consentimento dos clientes.
Ainda assim, na prática, a fiscalização permanece falha. O INSS, que deveria atuar como órgão regulador, permite que instituições financeiras descontem valores mesmo sem apresentar provas de autorização por parte dos aposentados.
A falta de controle e fiscalização eficaz transforma a modalidade consignada em um terreno fértil para abusos. Enquanto bancos lucram, aposentados e pensionistas veem suas rendas escoarem em dívidas que sequer autorizaram, um ciclo de exploração que precisa de respostas urgentes das autoridades.