
O governo federal oficializou nesta terça-feira (1º) a decisão de judicializar o impasse com o Congresso Nacional sobre o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). A medida, que havia sido derrubada por ampla maioria na Câmara e no Senado, será levada ao Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) com pedido de liminar.
A Advocacia-Geral da União (AGU), liderada por Jorge Messias, foi autorizada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a acionar a Corte para tentar reverter o revés político e fiscal sofrido no Parlamento.
“A avaliação técnica dos nossos advogados, submetida ao presidente, é que a medida adotada pelo Congresso acabou por violar o princípio da separação de Poderes”, declarou Messias.
Segundo a AGU, o decreto do governo federal está amparado no artigo 153 da Constituição, que atribui à União — mais especificamente ao Poder Executivo — a competência para instituir e alterar alíquotas do IOF.
O argumento central da ação é que o Congresso extrapolou seus poderes ao revogar, por decreto legislativo, uma prerrogativa do Executivo.
“A ação é necessária para que o STF aprecie a correção do ato do chefe do Executivo à luz dos artigos 84, 151 e 153 da Constituição Federal”, afirmou Messias.
Crise institucional: mais do que imposto
Nos bastidores, Lula tem dito a aliados que a disputa vai além da arrecadação estimada em R$ 12 bilhões com o aumento do IOF. Para o presidente, deixar a derrubada sem resposta judicial abriria um precedente institucional perigoso, que poderia fragilizar futuras gestões — inclusive a sua.
Apesar da judicialização, o Planalto tenta manter pontes abertas. A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, tem costurado novos canais de diálogo com o Centrão e com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Mas, após o anúncio da ação no STF, o clima azedou ainda mais.
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), reagiu com veemência à ofensiva do governo.
Em vídeo publicado nas redes sociais, ele negou ter traído o Planalto ao pautar o projeto e voltou a dizer que avisou previamente sobre a inviabilidade da proposta.
“Capitão que vê o barco indo em direção ao iceberg e não avisa não é leal, é cúmplice. E nós avisamos ao governo que essa matéria do IOF teria muita dificuldade de ser aprovada no Parlamento”, disparou Motta.
IOF: entenda o que está em jogo
O decreto do governo unificava a alíquota do IOF em 3,5% para diversas operações internacionais, incluindo:
- Compras com cartões de crédito/débito/pagamento pré-pago no exterior
- Compra de moeda estrangeira em espécie
- Remessa para contas no exterior (exceto investimentos)
A medida foi justificada pela equipe econômica como forma de combater distorções e evitar práticas como a “triangulação” com cartões emitidos fora do país. O Ministério da Fazenda estimava R$ 10 bilhões em receita ainda este ano, e R$ 20 bilhões em 2025 — valor considerado essencial para evitar o congelamento de mais de R$ 30 bilhões em gastos públicos no próximo ano.
No entanto, o Congresso derrubou o decreto por ampla margem: 383 votos a favor da revogação na Câmara e aprovação simbólica no Senado. O gesto foi entendido como um recado político — o Parlamento resiste a novos aumentos de impostos, especialmente em um cenário de baixa popularidade do governo junto à classe média.
“Não houve quebra de diálogo. Mas esse foi o recado político: não há ambiente para aumento de impostos”, resumiu o líder do MDB na Câmara, Isnaldo Bulhões (AL).
IR na mira e desgaste à vista
Apesar da tensão, o governo ainda tenta avançar com a proposta de elevação da faixa de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil — uma das principais bandeiras eleitorais de Lula para 2026. A relatoria está com Arthur Lira, que, no entanto, adiou a entrega do parecer alegando “falta de clima”.
Aliados do Planalto esperam que o STF acolha a liminar da AGU, restaurando a validade do decreto. Mas, mesmo com uma possível vitória jurídica, o desgaste político é evidente. O governo trava mais uma disputa institucional às vésperas de votações importantes no Congresso e em meio a uma crescente pressão por corte de gastos, revisão de estatais e contenção da máquina pública.