
- Déficit de € 83 milhões, doações em queda e fundo de pensão com rombo bilionário colocam a Santa Sé em risco financeiro real
- O banco do Vaticano tenta se recuperar de décadas de corrupção e má gestão, mas ainda carrega estigmas e desafios estruturais
- Próximo pontífice precisará reformar o sistema financeiro da Igreja, reestruturar o fundo de pensão e recuperar a confiança dos fiéis
A fumaça branca ainda não subiu, mas os ventos que sopram sobre o Vaticano estão longe de serem celestiais. O próximo papa não apenas herdará a missão espiritual de conduzir mais de 1,3 bilhão de católicos no mundo. Ele também precisará encarar um desafio nada divino: reestruturar as frágeis finanças da Santa Sé, hoje ameaçadas por um rombo bilionário, escândalos passados e receitas em queda.
Apesar das reformas promovidas pelo Papa Francisco nos últimos dez anos, o Vaticano continua com graves problemas financeiros. O déficit operacional da Santa Sé alcançou € 83 milhões (cerca de R$ 540 milhões) em 2023.
A situação se agrava diante da redução contínua das doações dos fiéis, da baixa rentabilidade de milhares de imóveis e, sobretudo, de um fundo de pensão em crise que ameaça a aposentadoria de milhares de funcionários do Estado vaticano.
Crimes financeiros
No centro dessa tempestade está o histórico Instituto para as Obras da Religião (IOR), o infame banco do Vaticano. Criado em 1942, o banco acumulou décadas de escândalos, má gestão e envolvimento em crimes financeiros.
Entre os casos mais emblemáticos estão a ligação com o colapso do Banco Ambrosiano, que resultou na morte misteriosa do banqueiro Roberto Calvi, e o envenenamento do conselheiro Michele Sindona, ambos envolvidos em fraudes com recursos vaticanos.
Quando assumiu o papado em 2013, Francisco encontrou um sistema à beira do colapso. Apenas um banco no mundo aceitava transações com o IOR, que corria o risco de ser incluído em listas internacionais de paraísos fiscais.
O pontífice reagiu com força: afastou o clero da gestão financeira, nomeou o executivo Jean-Baptiste de Franssu para presidir o banco e impôs transparência, publicando relatórios anuais e encerrando milhares de contas suspeitas. Como resultado, o IOR lucrou € 30 milhões em 2023 e passou a integrar o sistema europeu de transferências SEPA.
Apsa
Mas as reformas não bastaram. Outro pilar da economia vaticana, a Apsa (Administração do Patrimônio da Sé Apostólica), responsável pela gestão de mais de 5 mil imóveis, obteve lucro de € 46 milhões em 2023, ainda limitado pela baixa exploração comercial dos ativos.
Apenas 30% dos imóveis geram receita com aluguel. A Apsa também teve que assumir o controle do Óbolo de São Pedro, fundo de doações globais, após um escândalo envolvendo a compra de um imóvel de luxo em Londres, que causou prejuízo de € 200 milhões.
O maior desafio, no entanto, está no fundo de pensão. Com um modelo de benefício definido, o plano registrava um déficit de € 1,5 bilhão há mais de uma década. Em 2023, o fundo emitiu um alerta grave: não conseguirá honrar os pagamentos no médio prazo.
Fontes internas sugerem que o rombo aumentou significativamente e que o fundo poderá ficar insolvente, afetando diretamente os compromissos da Igreja com seus próprios empregados.
Além da crise fiscal, o futuro papa enfrentará a difícil missão de reconquistar a confiança dos fiéis e doadores. Entre 2015 e 2019, as doações à Santa Sé caíram 23%, reflexo direto da perda de credibilidade após anos de escândalos. Francisco tentou conter os danos cortando salários, vendendo imóveis e reduzindo despesas, mas as receitas continuam insuficientes para equilibrar as contas.
Reforma do fundo de pensão
O sucessor de Francisco precisará agir com pragmatismo e coragem. Reformar o fundo de pensão, aumentar a rentabilidade dos ativos, atrair investidores éticos e renovar o compromisso com a transparência serão passos obrigatórios. Tudo isso em um cenário de tensões internas, resistência à mudança e enorme expectativa espiritual da comunidade católica.
O Vaticano pode ser pequeno em território, mas seus problemas financeiros são dignos de uma potência global. O novo papa terá que combinar fé e gestão como nunca antes na história recente da Igreja.