
A recente decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que restabeleceu os decretos do governo Lula com aumentos do IOF, provocou forte reação de tributaristas. Embora tenha afastado a cobrança sobre operações de risco sacado, a decisão validou, com efeitos retroativos, o aumento das alíquotas sobre crédito, câmbio e seguro — o que, segundo especialistas, representa um perigoso precedente para o uso político e arrecadatório de tributos com finalidade regulatória.
Para Luís Garcia, sócio do Tax Group e do MLD Advogados Associados, a decisão é altamente questionável por ignorar os limites constitucionais do poder regulamentar. “O governo extrapolou seus limites ao promover aumentos com evidente pretensão arrecadatória. Mais grave: a decisão ignora o art. 49, inciso V, da Constituição, que confere ao Congresso Nacional a competência exclusiva para sustar atos do Executivo que exorbitem do poder regulamentar. Ao enfraquecer esse controle, cria-se um precedente que alimenta a insegurança jurídica e afasta investimentos”, afirma.
A crítica é compartilhada por Ranieri Genari, advogado tributarista e consultor na Evoinc, para quem a decisão do STF contribui para a deterioração do ambiente institucional e do planejamento tributário no país. “Ao validar aumentos com efeitos retroativos, o Supremo chancela o uso de tributos extrafiscais como instrumentos meramente arrecadatórios, distorcendo sua função constitucional. Isso denota, com a devida vênia, mais uma decisão política do que jurídica, desrespeitando inclusive a manifestação soberana do Congresso, que havia sustado a medida”, analisa.
Genari destaca ainda os impactos práticos da decisão: “Os contribuintes passam a correr risco de autuação por fatos geradores já ocorridos, criando mais um obstáculo à previsibilidade tributária. Essa instabilidade fiscal — somada à alta da Selic e à constante criação de tributos — mina a confiança dos investidores e aprofunda o ciclo de baixo crescimento da economia.”
Impacto da Decisão do STF no Cenário Tributário
Para o professor doutor em Direito Tributário André Felix Ricotta de Oliveira, sócio da Felix Ricotta Advocacia, a decisão do ministro Alexandre de Moraes está alinhada com os próprios precedentes do Supremo Tribunal Federal. “O ministro, ao decidir dessa forma, seguiu o entendimento já firmado pelo STF de que o IOF pode ser utilizado tanto para fins fiscais também chamados de arrecadatórios”, afirma o tributarista.
Apesar dessa leitura, Eduardo Natal, sócio do escritório Natal & Manssur Advogados, reforça que a mudança de entendimento ao longo do processo chama atenção. “Inicialmente, o próprio Moraes indicava haver excesso no uso do poder regulamentar e criticava a revogação do decreto por meio do Congresso. Agora, ao acolher integralmente os argumentos da AGU, ele adota nova linha de fundamentação que precisa ser discutida pelo Plenário, não apenas em decisão monocrática”, afirma.
Efeitos Retroativos e Insegurança Jurídica
Segundo Natal, há ainda uma questão prática delicada que permanece em aberto. “Os aumentos nas alíquotas relativas a operações de crédito, câmbio e seguro foram validados com efeitos ex tunc, ou seja, retroativos à data de edição do decreto presidencial. Isso levanta um ponto relevante: como será efetivada a cobrança do IOF referente ao período em que os aumentos estavam suspensos por força do decreto legislativo? A insegurança é evidente, e a ausência de resposta clara do Supremo só acentua o problema.”
Tributaristas não descartam a apresentação de embargos de declaração por parte dos partidos que ingressaram com as ações no STF, especialmente diante de possíveis omissões e contradições identificadas na decisão.