
A Medida Provisória que eleva a tributação sobre debêntures de infraestrutura de 15% para 25% virou motivo de tensão interna no governo Lula e pode desencadear um efeito dominó no financiamento de projetos estratégicos de logística, energia, saneamento, mobilidade urbana e telecomunicações, segundo analistas.
Apresentada pelo Ministério da Fazenda como alternativa à derrubada do aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) pelo Congresso, a medida é defendida como uma tentativa de ajustar o Orçamento.
Mas, nos bastidores, técnicos de vários ministérios alertam: a MP pode travar o setor de infraestrutura, encarecer investimentos e comprometer empregos.
Infraestrutura na linha de tiro
As debêntures incentivadas foram criadas há mais de uma década com o objetivo de atrair capital privado de longo prazo para setores essenciais.
Ao oferecer isenção de IR para pessoas físicas e condições favoráveis para empresas, tornaram-se instrumento crucial de financiamento para obras com cronogramas plurianuais e alto risco de engenharia.
Só que essa engrenagem pode travar. Com o fim da isenção, o custo do financiamento pode subir até 28%, segundo documento que circula entre os ministérios. Um título que hoje remunera IPCA + 7%, por exemplo, pode ter seu custo real elevado para IPCA + 9% — um salto que torna muitos projetos simplesmente inviáveis.
O impacto também se estende ao BNDES. O banco, que detém cerca de R$ 21 bilhões em debêntures a serem integralizadas a partir de 2026, projeta uma perda de R$ 4,2 bilhões em valor presente líquido, se a MP for aprovada como está. Uma redução de 2,1 pontos percentuais na rentabilidade média da carteira.
Setor financeiro e investidores acuados
As instituições financeiras, que responderam por 55% da demanda nas últimas ofertas públicas de debêntures incentivadas, também demonstram preocupação.
O temor é que a insegurança jurídica e o custo mais alto afugentem investidores, inclusive os internacionais, num momento em que o Brasil tenta se vender como porto seguro para investimentos em infraestrutura verde e digital.
Segundo analistas, o setor já vinha ganhando tração. Mas um aumento abrupto de tributação, sem transição, quebra a previsibilidade e põe em risco os compromissos assumidos com investidores.
Constrangimento político
Apesar da apreensão, a orientação nos ministérios tem sido de silêncio. Diante da batalha entre o governo e o Congresso após a derrota no caso do IOF, há receio de que críticas públicas à proposta de Fernando Haddad forneçam munição política para parlamentares contrários à agenda econômica do Planalto.
Nos bastidores, porém, a ala técnica já discute alternativas para suavizar o impacto. A principal sugestão é um período de transição de dois a três anos antes da nova alíquota entrar em vigor. Isso permitiria respeitar os contratos vigentes e evitaria paralisar obras que dependem desse tipo de captação.
O risco do improviso
Ao comparar as debêntures incentivadas a outros títulos como LCIs e CRAs, o Ministério da Fazenda pode estar cometendo um erro estratégico.
Ao contrário desses papéis, focados em setores como agronegócio e mercado imobiliário, as debêntures de infraestrutura financiam projetos com retorno diluído ao longo de décadas e exigem capital estável e institucionalizado.