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No debate tradicional das relações internacionais, chamado realista, a agressividade de uma grande potência só pode ser limitada por outra grande potência ou um conjunto delas.
Esse equilíbrio de países já havia existido na primeira parte do século XIX, quando a Grã-Bretanha conseguia imprimir arranjo no jogo entre França, Áustria, Prússia e Rússia. O que se procurava naquele equilíbrio não era a busca pelo bem comum, ou pela justiça, mas sim um sistema no qual as guerras não ocorressem com tanta regularidade, ao menos na Europa.
Nos anos 1950, aquele modelo incorporado pela Grã-Bretanha retornava, em parte, com os Estados Unidos, que jogava todo seu poder para contrabalançar a União Soviética como superpotência no clima da Guerra Fria. Tratava-se da Doutrina Truman.
Apesar de o mundo não conseguir anular as guerras, mesmo assim, houve algum arranjo conveniente, visto que conflitos armados entre grandes potências haviam desaparecido. O que ocorriam eram “guerras por procuração” bastante comuns nas lutas do antigo Terceiro Mundo.
Em 1991, com o fim da corrida armamentista entre Estados Unidos e União Soviética, houve um princípio de otimismo no qual se acreditava que, com o fim da Guerra Fria, o mundo não mais seria perturbado por guerras entre países. No lugar delas haveriam conflitos armados em função do terrorismo e do tráfico internacional de drogas ou armas.
Com o fim do poder soviético, e sem a emergência da Rússia como grande potência, em condições de equilibrar o peso dos Estados Unidos, passou a haver expansão daquela organização militar que era característica da Guerra Fria: a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), a contraparte do Pacto de Varsóvia.
O bloco soviético acabou junto com o país líder, mas a presença militar liderada pelos Estados Unidos continuou na Europa Ocidental e, mais do que isso, continuou sua expansão na área que no período da Guerra Fria era exclusiva da União Soviética. Dessa vez, não haveria mais arranjo ou equilíbrio, mas sim a predominância de uma única potência.
A primeira expansão da OTAN deu-se em 1999; a segunda passou a existir a partir de 2008. Até então, a Rússia, sob o governo de Vladimir Putin, foi apática pelo motivo de não poder resistir ao avanço do bloco atlântico.
Porém, a partir de 2014, com a reconstrução do Estado russo, Moscou adentrou em área que julgava de direito histórico da Rússia: a Crimeia.
Agora, em 2022, a intenção da Rússia é procurar reconstruir fronteira na qual não se admite a presença da OTAN, deixando claro que se isso acontecer na Ucrânia irá continuar a empregar força militar.
Para Moscou, a proximidade de armamento ocidental em seu chamado “estrangeiro próximo” já é considerada ameaça à sua segurança nacional. Por conta disso, o grupo que define a estratégia russa concebe plano para contrabalançar o poder americano presente na Europa.
A Doutrina Putin, que poderá surgir da possível vitória militar sobre a Ucrânia, é a resposta ao apelo de segurança nacional russa.
Nos debates tradicionais das relações internacionais, mesmo nos Estados Unidos, há espaço para que haja críticas sobre a posição que o governo norte-americano tem tomado, há vinte anos, de não reconhecer que o avanço da OTAN na Europa Oriental tem pouca serventia para o equilíbrio internacional.
Em outras palavras, isso poderia ser provocação contra a Rússia na qual o Ocidente, em particular os Estados Unidos, nada poderia obter de positivo. Isto porque expandir forças ocidentais, com reconhecidas grandes potências militares, constrangendo a Rússia, seria sinal de pouco conhecimento geopolítico.
Assim, para os críticos vinculados ao pensamento tradicional da política internacional, o incremento das forças pró-ocidentais em área de interesse russo, como a Ucrânia, terá forte desgaste no qual nem Estados Unidos, Europa Ocidental e Rússia teriam condições de imprimir algo razoável para se obter paz e concordância no sistema internacional.
Sem conseguir satisfatoriamente seus objetivos, os Estados Unidos e Europa Ocidental, por meio da OTAN, contribuirão para reverter o trabalho feito for Richard Nixon, em 1971, e forçar a Rússia a se alinhar com a China, talvez com Índia também.
E o resultado de boicotes econômicos e políticos poderão fazer com que Rússia, com colaboração de China, possa substituir instrumentos econômicos e financeiros, caso do sistema SWIFT, para novos arranjos que poderão surtir resultados positivos no longo prazo.
Em outras palavras, se no período da Guerra Fria os Estados Unidos haviam conseguido tirar proveito dos conflitos políticos entre Moscou e Pequim, aliando-se ao segundo para contrabalançar o primeiro, desta vez, está fazendo ao contrário, podendo contribuir para a diminuição do papel estratégico das grandes potências ocidentais. E a partir disso tudo, a emergência da Doutrina Putin.
(*) José Alexandre Altahyde Hage é professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
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