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Agatha Christie é a nova CEO da Americanas S.A.?

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Tudo o que sabemos é que houve um assassinato. Nem isso, talvez, uma morte acidental. A reputação da Americanas S.A. está em estado crítico, com essa crise podendo se espalhar a vários atores do mercado brasileiro de capitais.

Pela maneira como as informações são reveladas e reverberadas, parece que vivemos numa espécie de reality show policial com roteiro escrito por Agatha Christie. Após o fechamento do pregão da B3, no dia 11 de janeiro, o mercado foi informado por Fato Relevante que “foram detectadas inconsistências em lançamentos contábeis redutores da conta de fornecedores realizados em exercícios anteriores, incluindo o de 2022. Numa análise preliminar, a área contábil da Companhia estima que os valores das inconsistências sejam da dimensão de R$ 20 bilhões na data-base de 30/09/2022.” Esse parece ser o “assassinato”. Entretanto, fechando o primeiro parágrafo vem: “A Companhia estima que o efeito caixa dessas inconsistências seja imaterial.”

Todos se entreolham e pensam se houve ou não um “assassinato”? No dia seguinte, parecia que o mercado havia comprado tal ideia. O preço das ações da empresa perdeu quase 80% do valor. A primeira impressão era a de que faltava incluir R$ 20 bilhões (o corpo da vítima?) no passivo da companhia, como o Patrimônio Líquido (PL), que era de uns R$ 15 bilhões. Com isso, a empresa teria PL negativo, o que seria um sinal muito ruim, colocando em dúvida a sua sobrevivência.

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À medida em que novas informações foram sendo liberadas por meio de uma videoconferência no BTG, que não era aberta, mas vazada ao público externo, foi ganhando forma a versão de que era mais um caso de classificação contábil do que de problemas financeiros mais sérios: “efeito caixa imaterial”. A bala pegou de raspão?

A “arma que levou à morte” é uma operação chamada “risco sacado”. Geralmente, as compras feitas pela Americanas (e pela grande maioria das empresas) são a prazo. Muitas vezes, o fornecedor precisa descontar o que tem a receber da Americanas e poderia fazer isso sozinho ou junto a um banco ou financeira.

Entretanto, fazendo o “risco sacado”, que é um contrato entre a Americanas, um fornecedor e um banco, há um pouco mais de burocracia, mas no crédito não há incidência de IOF. Se a empresa pagasse as suas compras junto aos fornecedores na data contratada, muito provavelmente não haveria nenhum problema contábil e ninguém estaria falando nos R$ 20 bilhões.

Por outro lado, ainda dentro desse arranjo do risco sacado, a Americanas também pode estender o prazo para pagar a compra. Neste caso, seria preciso reconhecer uma dívida junto ao banco, o que geraria despesa de juros.
 

Uma forma de reconhecer esse passivo seria mudar a rubrica de “Fornecedores a Pagar” para algo como “Financiamentos a Pagar”. Isso, talvez, poderia afetar a relação da Americanas junto aos bancos referente ao risco sacado, uma vez que o endividamento financeiro iria aumentar, iriam reclassificar o risco de crédito da rede de lojas e, muito provavelmente, os juros cobrados também iriam subir, afetando a rentabilidade da empresa.

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É nesta página do livro que estamos. Ainda não foi explicitado como a Americanas registra esse crédito do risco sacado para estender o prazo e pagar as suas compras de mercadorias. Assim, como em um livro de Agatha Christie, temos algumas informações e muitas dúvidas sobre o possível assassinato.

Foi dito que há um corpo (R$ 20 bilhões) que deve estar enterrado em alguma conta do passivo. Talvez com alguma perna ou braço para fora da cova…

Se a morte foi natural (efeito caixa imaterial) só está no jazigo errado. Será que não foi feito muito estardalhaço e causado muito sofrimento (perda aos acionistas) de maneira precipitada? Neste caso, Sérgio Rial, ex-CEO da rede, poderá sofrer um revés em sua reputação. A CVM também deverá rever os procedimentos para as empresas usarem o Fato Relevante, especialmente, quando algo tão inesperado for anunciado por uma gestão recém-empossada. A saída seria, talvez, criar um canal mais discreto, que dispare uma investigação sigilosa por parte da autarquia e que só venha a público quando tiver informações mais apuradas.

Caso o assassinato (fraude fiscal) seja comprovado, o problema será muito mais sério, considerando que foi dito que é uma prática antiga na empresa. Como nenhuma auditoria percebeu essa falha antes? Os antigos controladores, agora, “acionistas de referência”, ainda replicam essa prática em outras empresas em que participam da gestão?

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Nesse último caso, devemos pensar em criar a figura jurídica semelhante ao Whistleblower (algo como apitador, na sigla em inglês), uma espécie de “dedo duro”, que delata práticas ilegais cometidas dentro das empresas e nos governos, mas usufrui de proteção especial do Estado. É um tipo de delação premiada, mas o delator cometeu crime e a delação é uma forma de colaboração com os investigadores para reduzir a sua pena. Já o whistleblower não cometeu crime algum, ele somente testemunhou ou suspeita que algum crime foi ou esteja sendo cometido. Por exemplo, Harry Markopolos, que denunciou o esquema de pirâmide (Ponzi-scheme) dos fundos administrados por Bernard Madoff, foi um whistleblower.

Se o mordomo puder ser um whistleblower, ele deixará de ser um dos primeiros suspeitos nos romances policiais.

Por Josilmar Cordenonssi Cia, prof. de Ciências Econômicas e Finanças no Centro de Ciências Sociais e Aplicadas (CCSA) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).


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