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“Não se apegue somente à sua própria narrativa” – Herminia Ibarra
Recentemente, Elon Musk causou impacto ao ordenar que todos os seus funcionários da Tesla voltassem aos escritórios, encerrando o novo modelo híbrido de trabalho. Ainda que já se espere dele uma nova polêmica por semana, essa atingiu as organizações em cheio, por estar na contramão do que vem acontecendo no mundo, que ainda tenta achar respostas de qual seria o melhor formato de trabalho pós- pandemia. Independentemente de Musk estar certo ou errado, creio que vale interpretar o que está por trás da mensagem.
Quem já leu sua biografia sabe que Elon é um workaholic de carteirinha, já chegou a morar no escritório da empresa que, posteriormente, se fundiu para a criação do PayPal. Isso lhe dava mais tempo para programar quando ele ainda era o responsável por essa tarefa no início de sua vida de empreendedor. Mais tarde, quando a Tesla passou a apresentar problemas de produção, ele fez o mesmo, vivendo dentro do escritório para supervisionar e ajudar as equipes na solução dos problemas. Ou seja, ele sempre priorizou a vida profissional em detrimento da pessoal, o que provavelmente deve ter trazido severas consequências para seus relacionamentos familiares, ao mesmo tempo que deva ter contribuído para seu sucesso estrondoso nos negócios. Se você quer trabalhar na Tesla ou na SpaceX, já sabe que a expectativa do seu líder sempre será essa, colocar sua vida pessoal em segundo plano e trabalhar de 80 a 100 horas por semana. Portanto, quando fala em pelo menos 40 horas no escritório, ele deve estar pensando que, no restante do tempo, você já estará trabalhando de forma remota.
A grande maioria dos fundadores das empresas de tecnologia prioriza seus engenheiros em relação a quaisquer outras funções, como marketing ou vendas. Dizem que uma das razões para que os cargos no Facebook sempre fossem menores que os das empresas concorrentes (ex.: um vice-presidente era contatado como diretor, e um diretor, como gerente) era porque Mark Zuckerberg se sentia incomodado com os pomposos cargos dados aos executivos de negócios, enquanto que seus engenheiros nunca os exibiam. Elon já declarou que a missão da Tesla é “fazer coisas bacanas”, portanto, quer fabricar produtos novos e surpreendentes, e dificilmente será possível fazê-los de forma remota, operando uma planta à distância. Nesse e-mail, Elon mais uma vez reconhece e valoriza as equipes técnicas, que, durante a pandemia, não tiveram chance de trabalhar online, assim como a grande maioria dos fabricantes globais. Mais do que isso, ele provavelmente desdenha dos times comerciais, que trabalham em “escritórios obscuros”, enaltecendo sua crença de que o seu produto é tão bom que se vende sozinho.
Os produtos ou empresas revolucionárias dificilmente são criados por pessoas comuns. Em sua grande maioria, esses líderes visionários são pessoas extremamente criativas, que pensam muito à frente e que não se atêm às regras ou limitações que a sociedade lhes impõe. Isso, de alguma forma, atrai um certo tipo de colaborador: aquele que quer ser exposto a um pouco dessa mágica que os fundadores trazem consigo, aquele que busca aprender o máximo que puder para talvez fazer o mesmo em sua própria empresa no futuro, aquele que quer fazer parte de construir algo novo, que seja disruptivo no mercado e que melhore significativamente a vida das pessoas, ou simplesmente aquele que busca ganhar muito dinheiro de forma rápida, como as startups costumam proporcionar. De um jeito ou de outro, se você escolheu trabalhar com pessoas assim, já sabe de antemão que nada será como em outras empresas, pois a perspectiva de qualquer ganho, seja ele financeiro ou de satisfação profissional, será maior que as eventuais perdas relacionadas ao ambiente de trabalho ou da relação nociva com os superiores. Caso prefira não vivenciar isso, teria ido trabalhar na GM, GE ou em outras empresas consideradas tradicionais.
Os mais céticos, no entanto, diriam que nada do que Elon faz é por acaso. Alguns dias depois desse e-mail, ele aparentemente comentou que a Tesla talvez tivesse que cortar até 10% de sua força de trabalho em virtude do agravamento da crise global. Ou seja, estaria ele já se antecipando e sugerindo uma curva forçada, em que os colaboradores não dispostos ao modelo de trabalho proposto deixassem a empresa de forma voluntária?
Elon Musk claramente é um líder sem receio de mostrar sua autenticidade. Ele é assim dentro e fora do trabalho. Talvez ele se comporte dessa forma sendo quem ele é, o fundador e dono de suas empresas, quem toma as rédeas e decide. Qualquer outro colaborador pode ter mais dificuldade nesse sentido. Elon está sempre querendo mudar as regras do jogo para se sobressair, enquanto a maioria tende a se prender a noções preconcebidas de como as coisas devam ser. Além disso, numa empresa global, iremos conviver com pessoas que não compartilham das mesmas normas culturais e têm expectativas distintas de como nos comportamos em algumas situações. Isso pode nos levar à difícil escolha de fazer aquilo em que acreditamos realmente e não o que é esperado de nós, que pode ser mais eficaz em determinadas situações. Com a amplificação do que fazemos nas mídias sociais, essa personalidade no trabalho acaba moldando a percepção de que tipo de líderes somos ou nos tornamos.
Como diz Herminia Ibarra, autora de diversos livros sobre liderança e professora renomada de algumas das melhores escolas de negócios, as dúvidas em relação à autenticidade se potencializam ao assumir um novo papel numa organização, como ao passar a liderar seus antigos pares. Uma outra dificuldade aparece na hora de vender suas ideias ou você mesmo, pois a maioria acredita que tal tarefa é desnecessária, sendo uma consequência de fazer um trabalho bem-feito. E, finalmente, o questionamento surge quando se processa um feedback negativo, acreditando que ele é o preço que se paga ao tomar decisões controversas, mas eficazes, sem realmente atentar ao que o outro está tentando nos dizer.
A polêmica gerada por Elon Musk em relação ao futuro do trabalho deveria nos ajudar a refletir mais sobre a forma, talvez rígida, de como vemos o mundo, em vez de apenas nos fazer discordar dele e reforçar nossas crenças de que isso não funciona no século XXI com a geração Z. Vale refletir sobre uma outra maneira de pensar, talvez totalmente diferente da nossa e do que pode estar por trás daquilo. Com essa mentalidade aberta e experimentadora, temos a chance de avançar nossos limites e talvez nos tornarmos os líderes que realmente podemos ser.
Por Luis Giolo – Co-líder da Prática de Conselhos e Sucessão de CEOs da Egon Zehnder no Brasil
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