Poder Oculto

Crime organizado lucra mais que empresas da bolsa brasileira

Facções criminosas já não se limitam ao tráfico: elas operam como grandes empresas, movimentam bilhões e se infiltram nas engrenagens do Estado e do mercado. O crime agora tem CNPJ, fatura mais que gigantes da Bolsa e ameaça a sociedade de forma silenciosa, mas devastadora.

Crime Organizado Brasil
Crédito: Depositphotos
  • O crime organizado utiliza empresas de fachada, contratos estatais e criptomoedas para lavar bilhões e expandir influência.
  • A concorrência desleal gerada por atividades ilícitas retira bilhões da economia formal e pressiona os serviços públicos.
  • Colapso de serviços, insegurança nas periferias e aumento da desigualdade são consequências diretas do avanço do crime.

O avanço do crime organizado no Brasil ultrapassou os limites do tráfico e da violência urbana: facções têm se infiltrado em estruturas do Estado e no sistema financeiro, movimentando bilhões em atividades legais e ilegais.

Esse movimento gera distorções profundas na economia, impacta serviços públicos e afeta diretamente a qualidade de vida da população. Especialistas alertam que a ameaça não se limita mais às comunidades dominadas, mas se espalha silenciosamente por esferas estratégicas da vida institucional do país.

Infiltração no sistema financeiro: lavagem em larga escala

O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) tem alertado que o crime organizado está cada vez mais sofisticado e usa instituições financeiras para lavar dinheiro em larga escala. Promotores como Lincoln Gakiya explicam que as facções já operam com laranjas, empresas de fachada e até contratos legais para simular operações legítimas.

Segundo o promotor, “há bancos e cooperativas sendo utilizados para internalizar valores ilícitos de forma absolutamente legalizada no papel, dificultando a rastreabilidade.”

Além disso, o uso de criptomoedas e fintechs sem fiscalização rigorosa tem ajudado a disfarçar os caminhos do dinheiro. Enquanto as instituições enfrentam regras para coibir fraudes, grupos criminosos encontram brechas para inserir dinheiro no circuito formal, reforçando o poder econômico de facções.

Infiltração nas estruturas do Estado: influência e contratos

Além do setor privado, o crime tem avançado dentro da máquina pública. Prefeituras, contratos de coleta de lixo, transporte público e até serviços terceirizados em órgãos estatais já foram identificados como alvos de facções. O objetivo é duplo: lavar recursos e ampliar influência política.

Segundo reportagem da Agência Brasil, especialistas como Tomaz Espósito, da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), destacam que a atuação de criminosos em licitações distorce o princípio da impessoalidade e dificulta o controle social.

Além disso, a presença de milicianos em serviços públicos cria uma teia de proteção que dificulta investigações e amplia a sensação de impunidade.

Impacto direto na economia: bilhões em circulação ilícita

As distorções econômicas geradas pelo crime organizado afetam diretamente o ambiente de negócios. Segundo levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), publicado em fevereiro, facções movimentam mais de R$ 146 bilhões por ano apenas com mercadorias aparentemente legais — como combustíveis, bebidas e cigarros.

Essa atividade causa concorrência desleal, reduz arrecadação de impostos e desestimula investimentos em setores estratégicos. A atuação dessas redes também desvia recursos públicos, aprofunda o déficit fiscal e pressiona os cofres de municípios e estados.

Para analistas econômicos, o impacto vai além dos números: há um efeito corrosivo sobre a confiança institucional e a previsibilidade de mercado.

Comparação com empresas da bolsa revela o tamanho da ameaça

De acordo com estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, organizações criminosas movimentaram cerca de R$ 146,8 bilhões com a venda de produtos como combustíveis, cigarros, bebidas e ouro apenas no ano de 2022. Esse valor coloca o crime organizado entre as maiores forças econômicas do Brasil.

Para se ter uma ideia da magnitude, somente sete empresas listadas na B3 superaram esse faturamento naquele ano: Petrobras, JBS, Itaú, Raízen, Banco do Brasil, Vale e Bradesco. Isso significa que as facções operam com cifras semelhantes às maiores corporações do país, porém sem regulação, impostos ou responsabilidade social.

A constatação escancara o desafio que o Estado enfrenta ao tentar conter um inimigo que já domina não apenas territórios, mas cadeias produtivas e canais logísticos relevantes.

Além disso, os dados mostram como a economia do crime deixou de ser paralela para se tornar, em muitos casos, concorrente direta da economia formal — mas operando sob regras próprias e com violência como instrumento de controle.

Efeitos sociais: violência, desigualdade e colapso de serviços

O crime organizado compromete não só a economia, mas também a vida cotidiana de milhões de brasileiros. Com presença consolidada em favelas e periferias, as facções impõem regras próprias e substituem o Estado em diversas funções.

Isso afeta desde o funcionamento de escolas até o atendimento em postos de saúde, onde muitas vezes profissionais atuam sob pressão ou medo.

Além disso, a corrupção e a lavagem institucionalizadas criam um ciclo de desigualdade, onde poucos enriquecem às custas do desmonte dos serviços públicos.

Enquanto isso, comunidades inteiras ficam à mercê de grupos armados e de lideranças locais ligadas ao crime, dificultando ações do poder público e o avanço de políticas sociais.

Reação institucional ainda tímida

Apesar dos alertas, a reação das instituições ainda é considerada tímida. Medidas de rastreamento financeiro têm avançado, mas especialistas cobram maior integração entre os poderes.

Segundo Lincoln Gakiya, “enquanto houver espaço para atuação política do crime organizado, nenhuma reforma institucional será suficiente.”

A ANP (Agência Nacional do Petróleo), o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e o MPF têm operado em conjunto em algumas frentes, mas a dimensão da infiltração exige ações coordenadas de inteligência, transparência em contratos e reformas legislativas urgentes.

Luiz Fernando
Licenciado em Letras, apaixonado por esportes, música e cultura num geral.