Risco à saúde

Desigualdade à mesa: falta de acesso a comida saudável atinge milhões nas capitais do país

Desertos e pântanos alimentares crescem nas capitais, impactando especialmente as populações mais vulneráveis.

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  • 15 capitais têm ao menos 25% da população em desertos alimentares, com destaque para Manaus, Belém e Rio de Janeiro.
  • Sudeste e Sul enfrentam pântanos alimentares, onde o excesso de ultraprocessados representa outro risco à saúde.
  • Governo aposta em novo programa, mas alcance ainda é pequeno diante da gravidade do problema.

Comprar frutas, verduras e legumes frescos é privilégio para muitos brasileiros. Em 15 capitais do país, ao menos um quarto dos moradores vive em regiões onde é quase impossível encontrar alimentos saudáveis. Nessas áreas, chamadas de desertos alimentares, o consumo de ultraprocessados é muitas vezes a única alternativa viável.

Segundo levantamento obtido pela Folha de S.Paulo junto ao Ministério do Desenvolvimento Social, capitais como Manaus (52,5%), Belém (47,2%) e Rio de Janeiro (45,3%) estão entre as mais afetadas. Embora o Norte concentre grande parte do problema, a desigualdade alimentar também atinge cidades do Sudeste, Nordeste, Sul e Centro-Oeste.

Desigualdade geográfica define o prato do brasileiro

Nas capitais do Norte, o contraste é gritante. Apesar da biodiversidade amazônica, quatro das sete cidades da região registram mais de 30% da população vivendo em desertos alimentares. Em Manaus, mais da metade dos moradores está nessa condição.

Paradoxalmente, os chamados pântanos alimentares, onde a oferta de produtos ultraprocessados é dominante, são menos comuns na região. Apenas 3,1% dos manauaras vivem em áreas com excesso de alimentos não saudáveis, índice bem inferior ao observado em regiões como o Sudeste.

Nesses pântanos, predominam refrigerantes, biscoitos recheados, salgadinhos e fast food. Embora existam alternativas mais saudáveis, elas são exceções. Um exemplo frequente são as estações de metrô das grandes cidades, onde há fartura de opções rápidas, mas pobres nutricionalmente.

Sudeste e Sul: fartura de opções pouco nutritivas

No Sudeste, o desequilíbrio assume outra forma. Em São Paulo, 490 mil pessoas em situação de pobreza vivem em desertos alimentares. Outras 199 mil moram em pântanos. Em Belo Horizonte, 28% dos habitantes estão cercados por ultraprocessados — índice superior ao das áreas com escassez de alimentos saudáveis.

Já nas capitais do Sul, como Porto Alegre e Curitiba, o número de moradores em desertos alimentares é menor. No entanto, mais de 30% da população enfrenta o desafio oposto: a abundância de produtos calóricos, baratos e industrializados.

Essa configuração revela que o problema não é só a ausência de comida saudável, mas também a presença excessiva de opções que aumentam os riscos de obesidade, hipertensão e diabetes, especialmente entre os mais pobres.

Fome e obesidade caminham lado a lado

“Se uma pessoa mora em um deserto alimentar, as chances de ela ganhar peso ao longo da vida são maiores”, explica o endocrinologista Bruno Halpern, vice-presidente da Abeso. Para ele, as barreiras vão além do espaço físico. O preço dos alimentos saudáveis também afasta quem tem renda baixa.

A pediatra nutróloga Maria Paula de Albuquerque, do Centro de Recuperação e Educação Nutricional (Cren), reforça: “Não tem mãe que consiga colocar verduras e frutas no prato do filho se no entorno da casa isso não existe”.

Essa realidade é visível em bairros como o Jardim Ângela, em São Paulo. Nas vendinhas locais, o que predomina são bolachas, salgadinhos e refrigerantes. O mesmo se repete em periferias de diversas capitais, onde alimentação saudável virou artigo de luxo.

Governo lança programa, mas alcance ainda é limitado

Questionado sobre medidas para reverter o cenário, o Ministério do Desenvolvimento Social mencionou o programa Estratégia Alimenta Cidades. Criado em 2023, ele tem como meta ampliar o acesso à comida saudável, com foco nas áreas mais pobres.

Além disso, a proposta inclui investimentos no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), nas Cozinhas Solidárias e na modernização dos bancos de alimentos. Em 2025, o governo planeja ampliar o alcance da iniciativa de 60 para 91 municípios.

Em suma, por mais que seja promissor, o programa ainda está longe de alcançar a escala necessária para mudar uma realidade que afeta milhões de brasileiros todos os dias.

Luiz Fernando

Licenciado em Letras e Graduando em Jornalismo pela UFOP; Atua como redator realizando a cobertura sobre política, economia, empresas e investimentos.

Licenciado em Letras e Graduando em Jornalismo pela UFOP; Atua como redator realizando a cobertura sobre política, economia, empresas e investimentos.