
- Mercado aposta em manutenção da Selic após sinal conservador do Banco Central
- Alberto Ramos vê cenário doméstico e internacional ainda desafiador para cortes de juros
- Pressão fiscal e estímulos ao consumo dificultam trajetória de desaceleração da inflação
Em meio a expectativas sobre a política monetária, o Banco Central (BC) indicou que pode manter os juros em patamares elevados por mais tempo, frustrando apostas de cortes na Selic.
As declarações do diretor Gabriel Galípolo, em evento com economistas em São Paulo, foram interpretadas pelo mercado como um forte sinal de que o ciclo de cortes iniciado em 2023 pode estar perto do fim. Atualmente, a taxa Selic está em 10,50% ao ano.
Alberto Ramos, diretor de pesquisa macroeconômica para a América Latina do Goldman Sachs, endossou essa percepção. Segundo ele, mesmo com sinais de desaceleração na atividade econômica, o BC ainda enfrenta um cenário desafiador, especialmente por causa da política fiscal expansionista e do aumento do consumo impulsionado por programas federais.
“O Banco Central foi muito conservador até agora. Se eu tivesse que escolher, optaria por um corte mais suave, de 25 pontos-base, e manteria os juros em patamar elevado por um período prolongado”, afirmou Ramos.
Apesar da pressão política e das críticas ao nível elevado da Selic, o economista acredita que as condições não permitem cortes agressivos no curto prazo.
Postura cautelosa
Para ele, o BC deve adotar uma postura cautelosa, especialmente em um contexto de incertezas externas, como o impacto das decisões de Donald Trump sobre tarifas comerciais e a resposta dos mercados emergentes.
“Não vai fazer muita diferença parar em 14,75% ou 15%, do ponto de vista de credibilidade. Mas se cortar agora e tiver que reverter depois, o prejuízo será muito maior. É melhor manter o aperto monetário e esperar o cenário melhorar”, explicou Ramos, referindo-se à postura do BC até o fim de 2023.
Ele destacou também que a retomada de programas como o Minha Casa Minha Vida e os estímulos ao consumo anunciados pelo governo Lula tornam o trabalho do Banco Central mais difícil.
Esses fatores devem, no entanto, aquecer ainda mais a demanda. E, no entanto, pressionar a inflação, justamente quando a autoridade monetária busca ancorar as expectativas.
Além disso, segundo Ramos, os riscos fiscais continuam elevados. O governo promete revisar o arcabouço fiscal no segundo semestre de 2025, mas ainda não mostrou disposição real de cortar gastos.
“Se o governo continuar gastando muito, a política monetária vai ter que ser mais dura para compensar”, alertou.
No cenário internacional, o economista ressaltou que o Brasil não está isolado. A eventual vitória de Trump nos EUA e a tensão nas cadeias globais de comércio podem impactar o real e o fluxo de capitais para o país.
Pressão cambial
Para Ramos, o país pode enfrentar nova pressão cambial caso haja fuga de investidores de mercados emergentes.
“Se Trump voltar à Casa Branca com uma agenda protecionista, os mercados vão se estressar. E, em momentos de estresse, o Brasil sempre apanha mais”, afirmou.
Diante de tudo isso, os economistas e analistas de mercado já ajustam suas projeções. A nova expectativa é de que a Selic permaneça em 10,50% até o fim de 2025. Ainda, com possibilidade de novos cortes apenas se houver melhora significativa nas contas públicas e no cenário global. Até lá, o Banco Central deve seguir na defensiva, com foco na estabilidade.