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A credibilidade dos créditos de carbono em xeque

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Desde o início de uma discussão mais contundente sobre a importância de as empresas adotarem medidas rumo à descarbonização, o mercado de créditos de carbono tem crescido exponencialmente. Essa medida começou a ganhar corpo desde a assinatura do Acordo de Paris, tratado internacional sobre mudanças climáticas, adotado em 2015, que prevê a redução das emissões de gases de efeito estufa limitando o aumento da temperatura global a níveis bem abaixo de 2 graus celsius em relação aos níveis pré-industriais. Além disso, foi potencializada recentemente com a pandemia da covid-19 que trouxe à tona a importância crucial de implementação de ações mais objetivas sobre o desenvolvimento sustentável.

Complementarmente às ações e aos esforços para reduções de emissões de gases de efeito estufa, o mecanismo de créditos é considerado parte fundamental na jornada de descarbonização que o mundo tanto almeja. Nesse cenário, o Brasil tem um papel de protagonista. Os créditos de carbono do país são um dos mais visados e mais procurados globalmente, principalmente, aqueles provenientes de projetos florestais do bioma amazônico. Esse instrumento (crédito de carbono) refere-se a uma tonelada de gás carbônico equivalente (que engloba todos os gases estufa) removida da atmosfera ou evitada de ser lançada, e chegou a valer próximo a R$ 1,00 em 2012. Atualmente, custa em torno de 10 a 15 dólares no mercado voluntário, a depender o tipo de projeto e do padrão utilizado. A expectativa é que esse valor possa ultrapassar os 50 dólares até 2030.

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Apesar de o mercado de compra de crédito ainda ser voluntário no Brasil, tem aumentado a procura das empresas por esse tipo de ativo, sendo por pressão dos investidores ou da sociedade, seja para atender os compromissos decorrentes do acordo de Paris. Esse mercado é formado por, ao menos, quatro atores importantes, a saber: comprador (empresas que adquirem créditos de forma a compensar suas emissões e cumprir seus compromissos públicos firmados), negociador (aqueles que compram créditos para revender no mercado), investidor (fornecem recursos para desenvolver projetos) e desenvolvedor (participam diretamente do desenvolvimento de projetos geradores de créditos de carbono).

Segundo dados da ONG Verra, esses quatro atores movimentaram no Brasil, no ano passado, 166 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (MtCO2) que foram aposentados, onde 80% desses créditos foram provenientes de projetos do tipo de emissões evitadas e 20% de emissões removidas. Já em 2021, foram gerados 45,3 milhões de créditos de carbono, onde 99% destes foram emitidos pelo padrão VCS (sigla em inglês para Verified Carbon Standard), com um aumento de 200% dos créditos florestais do tipo REDD+ (da sigla em inglês, Reducing Emissions from Deforestation and Forest Degradation) que se refere a emissões evitadas decorrentes do controle do desmatamento e da degradação de florestas.

Diante desse cenário em plena ascensão mundial, a grande discussão do momento é sobre a confiabilidade desses créditos, tanto quanto a metodologia utilizada para medir e contabilizar o crédito de carbono, quanto a regularidade das propriedades que originam os mesmos (principalmente no caso dos créditos de áreas florestais). A maioria das empresas utiliza o padrão de cálculo da organização não governamental Verra, a mais famosa no mercado global. Dentro desse padrão, existem diversas metodologias que podem ser usadas na contabilização dos créditos de carbono a depender do tipo de projeto. Atualmente, existem algumas críticas importantes sobre a forma de cálculo do cenário de referência para a metodologia de desmatamento evitado (REDD+). Alguns projetos chamaram a atenção do mercado por alegarem estar sofrendo uma pressão por desmatamento muito maior do que se pode comprovar. Essa taxa de desmatamento distorcida acaba impactando diretamente na quantidade de créditos de carbono gerados pelo projeto, comprometendo a qualidade e credibilidade do mercado como um todo. Há um outro gargalo no mercado que diz respeito ao problema da carência de análise fundiária mais rigorosa nas localidades geradoras de créditos. Falhas nessa análise documental podem invalidar a transação de compra e venda do ativo devido a problemas de regularização da propriedade ou até mesmo da titularidade da área.

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Esses dois aspectos de inconsistência no processo acabam gerando um fenômeno conhecido como crédito podre, ou seja o comprador adquire um crédito de carbono que em alguns casos pode ser proveniente de alguma propriedade irregular, ou de alguém que não tem o direito de explorar a área, ou ainda ser fruto de uma distorção de cálculo perdendo completamente o valor da sua contribuição para a descarbonização do economia.

Vale ressaltar que o desafio não só do Brasil, mas global, é o nível de maturidade da metodologia utilizada. O primeiro passo já foi dado que foi a criação de parâmetros reconhecidos e estes encontram-se em constante processo de revisão e aprimoramento. Estamos num processo agora de ajustes e amadurecimento do mercado de carbono como um todo e as empresas querem entender o que está acontecendo. Por isso, os interessados em créditos de carbono de boa qualidade devem seguir buscando formas de garantir uma verificação das informações atreladas ao credito que gerem menos exposição ao risco. O mercado vai ficar cada vez mais exigente.

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Em suma, a curva de maturidade do mercado ainda está em adaptação. Há uma linha tênue entre a geração de receita e a agenda de descarbonização, mas é hora de subir a régua para garantirmos a qualidade dos créditos gerados no Brasil, garantindo o papel de protagonista na agenda global. As empresas precisam se organizar para explorar e para contribuir com o processo de transição. Ao desenvolver ativamente os próprios projetos, muitas estão garantindo preço e fornecimento para compensações de carbono de alta qualidade no futuro. Espera-se que isso continue a evoluir à medida que elas procurem reduções e remoções de carbono ao longo de toda a cadeia de valor.

Por Nelmara Arbex, sócia líder de consultoria em ESG e Felipe Salgado é sócio-diretor de descarbonização, ambos da KPMG.


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