
As incertezas crescentes em torno do governo de Donald Trump têm levantado questionamentos sobre a posição de dominância histórica dos Estados Unidos nos portfólios globais. A imprevisibilidade da política econômica, o avanço da dívida pública e o risco de desaceleração fiscal têm feito grandes gestores reconsiderarem o “excepcionalismo americano”, conceito que por décadas sustentou os ativos dos EUA como os mais seguros e rentáveis do mundo.
Apesar do cenário desafiador, os EUA seguem como destino dominante para os investimentos, segundo Marcelo Santucci e Rafael Mazzer, executivos da divisão de portfolio solutions do BTG Pactual (BPAC11).
A área, que gere R$ 150 bilhões globalmente, ainda vê a economia americana como a mais “versátil, segura e inovadora”. Mas até mesmo os dois especialistas reconhecem: o mundo voltou a falar em diversificação — e com mais força.
“Foi muito confortável estar sobrealocado em dólar e bolsa americana na última década. Houve uma ‘chacoalhada’ que acordou o mercado para o tema da diversificação”, afirma Mazzer.
Ruídos políticos e fiscais colocam ativos americanos à prova
Parte dessa mudança de humor vem da conduta errática de Trump, que tem utilizado tarifas e ameaças como instrumentos de barganha geopolítica.
Além disso, o atual presidente enfrenta um cenário fiscal considerado por analistas como “próprio de países emergentes”: juros elevados, dívida crescente e perspectiva de déficit explosivo.
A proposta do “One Big Beautiful Bill”, novo pacote fiscal apresentado por Trump, adicionaria US$ 2,4 trilhões ao déficit americano nos próximos 10 anos, segundo o Congressional Budget Office.
A consequência imediata seria a pressão sobre os rendimentos dos Treasuries, o que pode encarecer o custo da dívida americana e aumentar a percepção de risco dos títulos públicos — tradicionalmente vistos como os mais seguros do mundo.
Em maio, até a Moody’s, última das três grandes agências que ainda mantinha a nota máxima para os EUA, rebaixou a classificação de crédito do país, reforçando a deterioração da confiança global.
Europa e emergentes voltam ao radar
Com esse pano de fundo, gestoras globais têm demonstrado um novo apetite por mercados europeus — onde se fala em um “renascimento” — e por ativos de países emergentes, tradicionalmente vistos com mais volatilidade, mas que agora oferecem riscos mais bem precificados diante da fragilidade crescente no próprio coração de Wall Street.
O movimento também se reflete no câmbio: o índice DXY, que mede o desempenho do dólar frente a uma cesta de moedas fortes, já acumula queda próxima de 10% em 2025.
EUA ainda são dominantes, mas por quanto tempo?
Apesar da virada de percepção, Santucci pondera que os EUA continuam sendo o mercado mais relevante do mundo:
“Hoje, 90% das transações globais são feitas em dólar. E o volume de transações com títulos do Tesouro americano é 15 vezes maior do que o da dívida alemã.”
Segundo ele, a eventual perda de protagonismo do dólar é um debate estrutural, mas não é algo que deva ocorrer no curto prazo. No entanto, reconhece que a exclusividade da moeda americana como reserva global pode estar sendo lentamente corroída.
“Existe essa discussão. E embora demore, esse ambiente contribui para a perda do status do dólar como player quase exclusivo entre as divisas globais”, diz Santucci.
Na renda variável, o movimento por diversificação está mais intenso — mas nem sempre significa sair dos EUA.
Santucci lembra que o S&P 500 já reúne grandes empresas multinacionais, muitas com sede fora dos Estados Unidos, o que gera uma diversificação geográfica natural, mesmo para quem permanece focado na bolsa americana.