
- Incorporadoras de médio padrão já enfrentam dificuldades financeiras e atrasos por causa do crédito caro e das vendas lentas.
- Com preços altos e financiamento mais difícil, famílias de renda intermediária estão cada vez mais distantes do sonho da casa própria.
- Queda na oferta de crédito e exigências bancárias mais rígidas devem reduzir ainda mais o volume de financiamentos no próximo ano.
O sonho da casa própria está cada vez mais distante para a classe média brasileira. Enquanto incorporadoras enfrentam dificuldades para honrar financiamentos, as famílias lidam com preços inflacionados, crédito restrito e exigências bancárias mais duras.
Pressão nas construtoras: vendas lentas e caixa apertado
Nos bastidores do mercado imobiliário, o alerta já está aceso. Segundo fontes do setor ouvidas pelo Valor Econômico, incorporadoras que atuam no segmento de médio padrão – com imóveis entre R$ 500 mil e R$ 2 milhões – estão sofrendo para manter as obras em dia. A combinação de crédito caro e baixa velocidade nas vendas tem pressionado severamente o fluxo de caixa.
Algumas empresas, segundo relatos, têm recorrido a práticas questionáveis, como o desvio de recursos do chamado patrimônio de afetação – mecanismo que deveria proteger os compradores em caso de falência. “O sujeito fala que não tem dinheiro, pede carência, redução de juros, que libere mais 20% de crédito”, contou um gestor do setor, sob condição de anonimato.
Esse cenário já provoca um efeito cascata. Incorporadoras com compromissos assumidos há dois ou três anos – quando os juros eram mais baixos – agora se veem com financiamentos mais caros e consumidores retraídos. E com margens apertadas, a inadimplência nos repasses aos bancos se tornou mais frequente.
Preço dos imóveis disparou – e o crédito encolheu
Se a ponta vendedora sente a pressão, o comprador não fica para trás. O mesmo imóvel que custava R$ 500 mil antes da pandemia agora pode ser encontrado por R$ 1 milhão ou mais. Esse salto nos preços reflete o aumento dos custos de construção, da mão de obra e do valor dos terrenos – além da valorização das regiões urbanas mais disputadas.
Mas há outro problema: os bancos estão menos generosos. Se antes financiavam até 90% do valor de um imóvel, hoje o limite caiu para 50% a 70% – o que obriga o comprador a desembolsar uma entrada mais alta. E como mais de 80% dos imóveis no Brasil são adquiridos via financiamento, a queda no acesso ao crédito ameaça diretamente a demanda.
Além disso, a taxa de juros do crédito imobiliário está entre 11% e 14% ao ano, dependendo do perfil do cliente e do valor do imóvel. Isso encarece as parcelas e, como o limite de comprometimento da renda familiar está fixado em 30%, muitas famílias veem seu poder de compra reduzir drasticamente.
Taxa Selic alta e bancos seletivos dificultam ainda mais
Grande parte das dificuldades no financiamento vem do cenário macroeconômico. A taxa Selic, usada como referência para o custo do crédito, permanece em patamar elevado, o que impacta diretamente os juros cobrados pelas instituições financeiras. Mesmo os imóveis enquadrados no Sistema Financeiro Habitacional (SFH) – que têm um teto de juros – estão hoje com taxas próximas ao limite legal.
Para piorar, os bancos estão mais seletivos. O Itaú, por exemplo, deixou de financiar imóveis para não correntistas. A Caixa, líder em financiamento habitacional, também reduziu a alavancagem e passou a exigir entradas mais robustas, variando entre 30% e 50% do valor total.
Com recursos mais escassos – especialmente na poupança, principal fonte do crédito habitacional – os bancos preferem emprestar para perfis de menor risco. Ou seja: mesmo quem tem renda compatível pode enfrentar entraves, caso não atenda aos critérios mais rígidos de análise.
Expectativas para 2025: menos crédito, menos negócios
As projeções do setor indicam uma retração no volume de novos financiamentos para 2025. Em 2024, o mercado já deve fechar com cerca de R$ 155 bilhões em crédito imobiliário, frente aos R$ 187 bilhões do ano anterior – uma queda de até 20%, conforme dados do Banco Central e de entidades do setor.
Embora o volume ainda seja expressivo, ele será insuficiente para manter o ritmo anterior de lançamentos e vendas. As famílias, por sua vez, devem continuar postergando a compra de imóveis, aguardando uma melhora nas condições econômicas ou uma possível queda nos preços – que, segundo especialistas, dificilmente virá.
Esse adiamento alimenta um ciclo de estagnação. Construtoras vendem menos, enfrentam dificuldades para financiar obras e, em alguns casos, atrasam entregas. Enquanto isso, a classe média sonha, mas não consegue pagar por aquilo que antes parecia acessível.