
O governo do presidente Lula está no centro de uma discussão sobre as nomeações para os conselhos de administração de empresas estatais. A polêmica surge porque diversos indicados, muitos ligados ao PT ou ocupando cargos na atual gestão, não possuem formação acadêmica diretamente relacionada à área de atuação das empresas para as quais foram designados. Isso acontece apesar de a Lei das Estatais, criada em 2016, exigir formação acadêmica compatível, além de experiência profissional e reputação sem manchas (ilibada).
Esses conselhos são peças-chave: eles definem os rumos das companhias e fiscalizam suas operações. O governo tem o direito de indicar representantes para ocupar essas cadeiras, e quem faz a nomeação geralmente é o ministro da área correspondente à estatal. Pela participação, os conselheiros recebem os chamados “jetons”, uma remuneração que varia bastante: pode ir de R$ 1.733,33 (como na Termobahia, ligada à Petrobras) até R$ 13.813,97 mensais no caso da própria Petrobras, segundo dados do Ministério da Gestão.
A reportagem da Folha levantou vários exemplos que ilustram a situação. Um caso notório é o de Ana Estela Haddad, esposa do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Graduada em odontologia e com mestrado e doutorado na mesma área, ela hoje atua como secretária de Informação e Saúde Digital no Ministério da Saúde, mas foi nomeada conselheira da Dataprev, a estatal que processa dados cruciais, principalmente de benefícios sociais. Seu jetom mensal é de R$ 4.188,89.
Outro exemplo é Emir Simão Sader, professor aposentado de filosofia e ciência política, conhecido por sua ligação histórica com o PT. Ele integra o conselho da Ativos S.A., uma empresa do Banco do Brasil focada em cobrança de dívidas. Sua formação, embora robusta academicamente, distancia-se do setor financeiro de recuperação de crédito.
A lista continua: Swedenberger do Nascimento Barbosa, também dentista e com doutorado em ciências da saúde, ex-braço-direito de José Dirceu e ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, é conselheiro na Companhia Docas do Rio Grande do Norte (Codern). Já Luiz Antonio Correia de Carvalho, jornalista e filósofo, fundador do PT, está no conselho da Companhia Docas do Rio de Janeiro (PortosRio), recebendo R$ 3.741,37 mensais. No caso dele, o comitê interno da empresa argumentou que a filosofia desenvolve habilidades de liderança, complementadas por sua experiência pública.
Também há casos de assessores ministeriais em conselhos fora de suas áreas diretas. Marcio Tavares dos Santos, secretário-executivo do Ministério da Cultura (com formação em história e arte), é conselheiro no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (ligado ao Ministério da Educação). A jornalista Hemeline Camata, chefe da assessoria do Ministério de Minas e Energia, está no conselho da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM).
O que diz o governo e as empresas?
Questionado, o Ministério da Gestão afirma que todas as indicações respeitam os requisitos legais de experiência e formação. A pasta diz que a compatibilidade é verificada pelos comitês de elegibilidade de cada estatal, que atestam se o conhecimento do indicado o torna apto. O Banco do Brasil, sobre Sader, ressaltou a “importância da diversidade de conhecimentos”. Outras estatais deram respostas similares, defendendo a legalidade das nomeações e a aprovação pelos comitês internos.
A lei de 2016 menciona que a formação deve ser “compatível”, e um decreto posterior lista áreas preferenciais (como administração, economia, direito, engenharia), mas também abre espaço para formação na área específica da empresa (como saúde para um hospital). A interpretação dessa “compatibilidade” parece ser o ponto central do debate atual.