
O cenário político em Brasília esquentou – e muito – nos últimos dias. O motivo? Uma lista de assinaturas que colocou em rota de colisão o Palácio do Planalto e uma parte significativa de sua própria base de apoio no Congresso Nacional. O pivô da discórdia é um projeto de lei controverso que propõe anistiar (ou seja, perdoar judicialmente) os envolvidos nos atos considerados terroristas ocorridos em 8 de janeiro de 2023, quando as sedes dos Três Poderes foram invadidas e depredadas.
A polêmica ganhou força na noite da última quinta-feira (10), quando o líder do PL (partido do ex-presidente Jair Bolsonaro) na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), anunciou que o requerimento de urgência para este projeto havia alcançado 258 assinaturas. Esse número é crucial: são mais do que as 257 assinaturas necessárias para protocolar o pedido, que, se aprovado em plenário, permite que o projeto “fure a fila” e seja votado rapidamente, sem precisar passar por todas as comissões temáticas da Casa.
O que realmente causou um terremoto político, no entanto, não foi o número total de assinaturas, mas a origem de muitas delas. Conforme informações da colunista Bela Megale, do jornal O Globo, e confirmado por Sóstenes, mais de 100 dessas assinaturas vieram de deputados pertencentes a partidos que, oficialmente, compõem a base de sustentação do governo Lula (PT) no Congresso. Essa adesão maciça de “aliados” a uma pauta tão sensível e contrária aos interesses do governo provocou o que fontes do Planalto descrevem como uma “forte revolta”.
Dentro do núcleo duro do governo petista, a avaliação é taxativa: é inaceitável que parlamentares da base aliada endossem uma proposta que, na prática, busca perdoar pessoas condenadas por tentar derrubar a democracia brasileira e que, segundo investigações, planejaram ações que poderiam atingir fisicamente o próprio presidente da República. A sensação é de traição ou, no mínimo, de uma profunda incoerência política por parte desses deputados.
Os números detalhados por Sóstenes Cavalcante expõem a dimensão do problema para a articulação política do governo. Entre os signatários do requerimento de urgência estão nomes de legendas com ministérios e cargos importantes na administração federal:
- União Brasil: 37 deputados
- PP (Progressistas): 34 deputados
- Republicanos: 25 deputados
- PSD (Partido Social Democrático): 23 deputados
- MDB (Movimento Democrático Brasileiro): 21 deputados
Para o Palácio do Planalto, a manobra da oposição, turbinada pelo apoio inesperado de parte da base, tem um objetivo claro que vai além de figuras menores envolvidas nos atos. Embora bolsonaristas usem casos como o da cabeleireira Débora Rodrigues como símbolo da campanha pela anistia, a convicção no governo é que o verdadeiro alvo da proposta é livrar de futuras condenações o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e militares ligados ao seu governo. Vários deles já se tornaram réus no Supremo Tribunal Federal (STF) sob a acusação de tentativa de golpe de Estado. A anistia, portanto, seria uma forma de blindar figuras de alto escalão do antigo governo.
Diante desse cenário de apoio expressivo ao projeto dentro da própria base, integrantes do governo já discutem internamente qual será a reação política. A ideia é enviar uma mensagem clara de descontentamento às legendas que abrigam os deputados “infiéis”. Contudo, até o momento, não há uma definição oficial sobre qual será a resposta ou se haverá algum tipo de retaliação, como a revisão de cargos ou verbas. A situação é delicada e exige cálculo político.
Quem não esperou uma posição oficial para demonstrar sua indignação foi o líder do PT na Câmara, deputado Lindbergh Farias (RJ). Em declaração contundente, ele criticou duramente os colegas de partidos aliados que assinaram o requerimento.
“Acho, sinceramente, nessa Casa, que as pessoas têm que se definir: quem é governo e quem não é governo. Tudo bem quem é da oposição assinar um projeto como esse, mas quem é governo assinar um projeto como esse, que coloca o país numa crise institucional, não é razoável”, disparou Lindbergh.
O líder petista foi ainda mais direto ao questionar a lealdade desses parlamentares: “Esse é um bom momento para perguntar quem quer ficar aqui do nosso lado, porque, se a pessoa assina um projeto desse, com certeza não quer ficar aqui desse lado”.