
Um dado impressionante sobre o principal programa de transferência de renda do Brasil veio à tona: das 20,6 milhões de famílias inscritas no Bolsa Família, nada menos que 7 milhões recebem o benefício há 10 anos ou mais, com base em informações de fevereiro de 2025. Esse número representa 34,1%, ou seja, mais de um terço do total de beneficiários, e acende um alerta sobre a dificuldade que uma parcela significativa da população brasileira enfrenta para conseguir gerar renda própria e deixar de depender da ajuda do governo para se manter.
Esses dados exclusivos foram obtidos pelo portal Poder360 através da Lei de Acesso à Informação e cruzados com informações do Ministério do Desenvolvimento Social. A análise mostra que essa dependência de longo prazo não é distribuída igualmente pelo país. A região Nordeste apresenta o maior percentual: 38,8% das famílias beneficiárias na região (o equivalente a 3,7 milhões) estão no programa desde 2015 ou antes. Em seguida, aparecem as regiões Norte (33,7%), Sul (29,5%), Sudeste (29,1%) e Centro-Oeste (26,9%).
Olhando por estado, Alagoas lidera o ranking da dependência longa, com impressionantes 42,7% de seus beneficiários recebendo o auxílio há uma década ou mais. Paraíba (41,3%), Piauí (41,3%), Rio Grande do Norte (40,7%) e Maranhão (40,1%) também estão no topo da lista, com índices acima de 40%. Na outra ponta, o Distrito Federal tem a menor proporção (3,1%). Essa fotografia mostra onde estão concentradas as maiores dificuldades para a ascensão social.
O governo federal afirma que a legislação atual não impõe um tempo máximo para que uma família permaneça no Bolsa Família. No entanto, o Ministério do Desenvolvimento Social diz que promove iniciativas para incentivar a autonomia financeira. Uma delas é a chamada “Regra de Proteção”, que permite que famílias que aumentem um pouco sua renda (mas ainda dentro de um limite) continuem recebendo 50% do valor do benefício por até dois anos, como um degrau para a saída do programa. Para ter direito ao Bolsa Família, a regra geral é ter uma renda por pessoa na família de até R$ 218 por mês, além de cumprir outras exigências cadastrais.
Mas o que explica essa permanência tão longa? Para Pedro Ferreira de Souza, pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), parte desse grupo de 7 milhões é composta por pessoas em situação de extrema vulnerabilidade, como moradores de rua, que realmente têm enorme dificuldade em gerar renda própria de forma estável. Ele reconhece que pode haver casos de fraude, mas acredita que os mecanismos de checagem de renda têm melhorado, ajudando a identificar inconsistências. Um dos grandes desafios, segundo ele, é verificar a renda de quem trabalha na informalidade.
Carla Beni, professora da FGV (Fundação Getulio Vargas), destaca que o objetivo principal do Bolsa Família deveria ser quebrar o ciclo da pobreza, garantindo que os filhos dos beneficiários tenham melhores oportunidades. Ela defende a criação de políticas públicas específicas para entender e apoiar essas famílias que estão há tanto tempo no programa, ajudando-as a encontrar caminhos para aumentar a renda. Para Beni, criar “portas de saída” é tão importante quanto reforçar a fiscalização para combater fraudes, garantindo que o recurso chegue a quem realmente precisa. A análise desses dados de longa permanência pode ser crucial para aprimorar o programa e direcionar melhor as ações do governo.