
- Governo argentino legaliza uso de dólares não declarados para movimentar a economia interna.
- Estimativa é de até US$ 400 bilhões fora do sistema bancário, equivalente a dois terços do PIB.
- Medida busca estimular consumo e investimento sem recorrer a novos empréstimos internacionais.
O presidente Javier Milei deu um passo ousado para tentar reaquecer a economia argentina: legalizou o uso de dólares guardados fora do sistema financeiro, mesmo sem origem declarada. A medida, anunciada nesta quinta-feira (22), permite que os cidadãos movimentem livremente os recursos que estavam escondidos — literalmente ou não — “debaixo do colchão”. O plano, chamado oficialmente de “Reparação Histórica da Poupança dos Argentinos”, será implantado em duas etapas e tem potencial para injetar centenas de bilhões na economia.
Desse modo, conforme explicou o porta-voz presidencial, Manuel Adorni, a primeira fase será feita por decreto, enquanto a segunda depende da aprovação do Congresso. Portanto, a proposta libera os argentinos para utilizar seus dólares sem a obrigação de justificar a origem. “Dólares deles, decisão deles”, declarou Adorni.
Uma economia paralela em dólares
Na prática, a medida reconhece uma realidade que há anos molda a economia informal da Argentina: a dolarização doméstica. Estima-se que entre US$ 200 bilhões e US$ 400 bilhões estejam fora do sistema bancário — o equivalente a até 66% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.
Segundo o ministro da Economia, Luis Caputo, os argentinos mantêm essas reservas em dinheiro físico por desconfiança histórica nas instituições financeiras. Crises cambiais recorrentes, confisco de poupanças e hiperinflação contribuíram para o hábito de guardar dólares em casa. Assim, o plano busca reintegrar esse montante ao circuito legal, incentivando o consumo e os investimentos pessoais.
A proposta também elimina a cobrança de tributos retroativos sobre os valores utilizados, desde que a pessoa física use os dólares para fins como compra de imóveis, veículos, eletrodomésticos ou investimentos produtivos.
Incentivo ao consumo e risco calculado
Milei aposta que a liberação pode estimular setores estratégicos da economia, como construção civil, comércio de bens duráveis e financiamento privado. A expectativa é de que, com mais circulação de moeda forte, o país ganhe fôlego sem a necessidade de recorrer a novos empréstimos internacionais.
Contudo, especialistas alertam para os riscos da medida. Embora a legalização represente alívio para muitos argentinos, pode abrir margem para uso de dinheiro de origem ilícita, caso a fiscalização não funcione. Mesmo com a criação da Agência de Recaudación y Control Aduanero (ARCA), que terá papel de monitorar operações suspeitas, o desafio será equilibrar liberdade financeira com controle contra crimes financeiros.
Apesar das críticas, a popularidade da proposta já se reflete nas redes sociais e entre pequenos investidores, que veem na medida uma oportunidade de usar recursos antes imobilizados. Para boa parte da população, o medo de declarar grandes somas guardadas em casa sempre foi maior que o desejo de gastar.
Contexto político e confiança em reconstrução
A decisão também tem peso simbólico. Ao permitir que os argentinos voltem a circular seus dólares sem medo de punição, o governo tenta reconstruir a confiança da população em suas instituições. Isso dialoga diretamente com a base de apoio de Milei, que cobra menos intervenção estatal e mais liberdade individual.
Além disso, a medida se alinha à proposta de desregulamentação econômica que o presidente defende desde a campanha. Se bem-sucedida, poderá representar uma importante vitória política para seu governo, que enfrenta resistência no Congresso para aprovar reformas mais profundas.
Em suma, a aposta é clara: ativar o capital estagnado dos próprios cidadãos para reanimar uma economia que ainda patina. E, no processo, reposicionar a confiança nacional no próprio dinheiro.