
- Apesar da troca de nomes, novas ONGs mantêm vínculos diretos com investigados por desvios em anos anteriores.
- Comprovantes frágeis de atuação e estrutura foram aceitos sem ressalvas por órgãos federais.
- Emendas foram redirecionadas por parlamentares a entidades ligadas a aliados e familiares de gestores investigados.
Mesmo após denúncias e ações do STF para conter desvios de verbas por ONGs, um novo grupo de entidades suspeitas recebeu R$ 274 milhões por meio de emendas parlamentares. Entre laços familiares, ausência de histórico técnico e conexões com investigados, o ciclo de favorecimento parece apenas ter mudado de rosto.
Novas ONGs, velhas conexões
Embora tenham surgido como alternativas após o escândalo da “Farra das ONGs”, sete entidades recém-beneficiadas por parlamentares apresentam indícios de vínculos diretos com a rede suspeita de desvios desmantelada em 2023. Sendo assim, ainda que suas estruturas e experiências sejam frágeis, elas conseguiram firmar convênios milionários com o governo federal, especialmente com o Ministério do Esporte e a Unirio.
Assim, essas organizações receberam ao menos R$ 274 milhões em apenas seis meses, a maioria vinda de emendas originalmente destinadas a ONGs já na mira da Justiça. Então, a manobra envolveu ao menos 21 parlamentares — sendo 19 do Rio de Janeiro e 2 do Amapá — e ocorreu mesmo após o ministro do STF, Flávio Dino, suspender repasses e exigir devolução de recursos desviados.
De acordo com a legislação, os parlamentares têm liberdade para indicar — e substituir — as entidades que executam projetos financiados com emendas. No entanto, não há um filtro eficaz que assegure a capacidade real dessas instituições, o que abre brechas para novos esquemas.
Dos pais aos filhos: um ciclo de poder
A ONG que mais recebeu recursos foi a Abepe (Associação Beneficente Pró Esporte), com R$ 60,6 milhões já firmados e outros R$ 10,3 milhões em tramitação. Até agosto de 2024, seu presidente era Raphael Duarte Gonçalves, de apenas 22 anos. Ele é filho de Cíntia Duarte, presidente da ONG Con-tato, uma das mais implicadas nos escândalos de anos anteriores.
O pai de Raphael, por sua vez, é apontado como articulador de emendas e mantém vínculos com a ONG Solazer, também envolvida em projetos suspeitos. O atual presidente da Abepe, Fausto Ferreira da Silva Neto, já representou empresas que prestaram serviços às ONGs investigadas. Ele nega qualquer irregularidade e diz que chegou ao cargo por méritos próprios.
Mesmo com histórico praticamente inexistente de atuação pública, a Abepe apresentou documentos frágeis para justificar sua capacidade técnica. Um simples atestado de aulas de esportes para 500 alunos e fotos genéricas foram usadas como prova.
Documentos frágeis e valores robustos
O caso da ONG Núcleo Social Bem Viver também chama atenção. Presidida por Yuri Durães, ex-funcionário da ONG ICA — que também integra a rede investigada —, a entidade conseguiu R$ 70,3 milhões. Para justificar a verba, apresentou apenas um atestado de três páginas, sem detalhes concretos sobre os projetos.
Na sequência, aparece o IPGI, que agora usa a sigla Ipgias, com R$ 42,7 milhões. Seu presidente, Carlos Eduardo Gonçalves, advoga para instituições suspeitas e tem ligações diretas com o mesmo escritório de Fausto Neto. Mesmo assim, obteve aval para executar projetos fora de sua suposta especialidade, como castração de animais.
O deputado Sóstenes Cavalcante (PL), autor da emenda, alegou que o IPGI tem expertise no tema. Já a Unirio, responsável pela análise dos projetos, aprovou sete convênios com a ONG em 30 de dezembro, mesmo após a procuradoria pedir mais comprovações de experiência.
Articulações e sobreposições
O MCS (Movimento Cultural Social), presidido por Danilo Batista, também foi contemplado com R$ 8 milhões. Danilo era sócio de uma empresa que prestou serviços a ONGs do grupo investigado. Além disso, uma figura-chave se destaca: Samira da Silva Deodato.
Ela aparece como responsável técnica por envio de documentos para diversas ONGs suspeitas — incluindo MCS, Inatos, IPGI e Con-tato. Atuando como gerente de projetos em várias delas, Samira se apresenta como consultora requisitada, embora sua atuação gere suspeitas de centralização nas gestões.
Outras entidades, como o Ibra-tec (R$ 36,8 milhões), o Inatos (R$ 35,5 milhões) e a Asas (R$ 10 milhões), completam o grupo. Destas, apenas o Inatos tem alguma experiência comprovada, mas teve uma prestação de contas reprovada pelo TCU em um projeto federal anterior.