
- O governo Lula restringiu o acesso a documentos sobre repasses federais a ONGs, estados e municípios, afetando o controle de cerca de R$ 600 bilhões.
- A medida contradiz promessas eleitorais de transparência e repete práticas criticadas da gestão Bolsonaro, como o sigilo sobre visitas e gastos presidenciais.
- Especialistas classificam a decisão como um retrocesso institucional, que compromete a fiscalização pública e a integridade democrática.
Apesar de prometer uma gestão transparente, o governo Lula tem adotado práticas que limitam o acesso a informações públicas. Dados sobre repasses bilionários a ONGs, estados e municípios, além de registros de visitas e despesas no Palácio da Alvorada, estão sob sigilo.
Ocultação de dados impacta R$ 600 bilhões
O Ministério da Gestão e da Inovação (MGI) determinou o bloqueio de informações relacionadas a convênios com estados, municípios e ONGs, afetando diretamente a transparência na aplicação de cerca de R$ 600 bilhões. O conteúdo ocultado inclui documentos essenciais, como planos de trabalho, notas fiscais e relatórios de execução.
Segundo a pasta, a decisão se baseia em um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), que, supostamente, indicaria a necessidade de proteger dados pessoais conforme a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). No entanto, a própria AGU declarou que seu parecer não impede o acesso público aos dados. A justificativa foi, portanto, mal interpretada — ou convenientemente adaptada.
Além disso, os documentos antes disponíveis no sistema TransfereGov, sucessor da Plataforma +Brasil, foram removidos da modalidade de acesso livre. Isso inviabiliza o controle social sobre quem recebeu recursos públicos e como esses valores estão sendo usados.
Transparência em xeque após promessas de abertura
O cenário contrasta diretamente com o que foi prometido por Lula ainda na campanha eleitoral. À época, o então candidato criticava os sigilos impostos por Jair Bolsonaro e prometia rever todas as medidas que impedissem o acesso à informação. Em maio de 2023, já como presidente, afirmou que “sem transparência, não há democracia”.
Contudo, a prática se mostrou diferente. A atual gestão impôs sigilo sobre a lista de convidados da posse presidencial, liberando os dados apenas após forte pressão pública. Também negou acesso às informações sobre os custos com o helicóptero presidencial e com a alimentação do Palácio da Alvorada.
Além disso, visitas dos filhos do presidente ao Palácio do Planalto e até mesmo a lista de pessoas que frequentam a residência oficial da primeira-dama Janja foram colocadas em sigilo. O argumento, novamente, foi o de proteção à privacidade, embora se trate de figuras públicas frequentando prédios públicos.
Especialistas criticam retrocesso institucional
Para especialistas em transparência pública, como Gregory Michener, da FGV Ebape, a decisão do governo de ocultar documentos que envolvem recursos públicos é uma “aberração”. Ele destaca que, internacionalmente, qualquer contrato feito com o Estado deve ser acessível, pois o dinheiro é da sociedade.
A gerente de programas da Transparência Brasil, Marina Atoji, também alerta para os danos dessa medida. Segundo ela, a restrição afeta gravemente o controle social, especialmente num momento em que o Supremo Tribunal Federal exige mais transparência nas emendas parlamentares.
Em muitos casos, os documentos agora escondidos tratam de repasses oriundos do extinto orçamento secreto — prática considerada inconstitucional justamente pela ausência de transparência. O bloqueio, portanto, além de limitar o acesso a dados básicos, também mascara o rastro de verbas com origem controversa.
Falta de acesso ameaça fiscalização democrática
A consequência prática da política de sigilo adotada pelo governo Lula é uma clara barreira à fiscalização por parte da sociedade civil e da imprensa. Governos estaduais, prefeituras e ONGs que recebem recursos públicos são obrigados, por lei, a prestar contas. Com o novo formato, essas informações estão restritas.
Além do aspecto legal, há um impacto direto na confiança da população em relação ao discurso presidencial. O contraste entre a retórica pró-transparência e a adoção de práticas opacas levanta dúvidas sobre o real compromisso do governo com os princípios democráticos.
A invisibilidade dos dados dificulta investigações, limita o trabalho de jornalistas e enfraquece os mecanismos de controle interno e externo. Sem informações claras, o espaço para irregularidades cresce — e, com ele, o risco de corrupção.