- A 14ª Turma do TRT-2 decidiu, por 2 votos a 1, que existe vínculo empregatício entre entregadores e o iFood, com base no pagamento por hora trabalhada
- A sentença contraria a decisão unânime do STF, que em 2023 afirmou não haver vínculo entre motoristas de aplicativos e plataformas, e decisões anteriores do TRT-2
- O iFood anunciou que recorrerá da decisão, alegando que o modelo de vínculo por hora trabalhada não é viável e gera insegurança jurídica para o setor
- A decisão afeta mais de 360 mil entregadores e 380 mil estabelecimentos, gerando incertezas sobre o futuro do modelo de trabalho de plataformas no Brasil
Nesta quinta-feira (5), a 14ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2) decidiu, por 2 votos a 1, reconhecer o vínculo empregatício entre entregadores e a plataforma iFood.
O Ministério Público do Trabalho (MPT) moveu a Ação Civil Pública (ACP) em 2021, e, embora a decisão seja uma vitória para os entregadores, ela não tem efeito imediato, pois o processo ainda precisa ser concluído.
Entendimento
A sentença vencedora estabeleceu que o vínculo seria reconhecido com base na hora trabalhada, adotando um modelo de pagamento proporcional ao tempo dedicado à atividade, em vez de um vínculo tradicional de emprego.
Esse entendimento contrasta com outros julgamentos recentes, incluindo uma decisão da 1ª Turma do TRT-2, que, na terça-feira (3), decidiu pela inexistência de vínculo empregatício em um caso semelhante envolvendo a plataforma 99.
A decisão também vai contra o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), que em dezembro de 2023, em uma série de decisões monocráticas, determinou, por unanimidade, que não há vínculo empregatício entre motoristas de aplicativos e as plataformas.
A jurisprudência predominante do STF defende a autonomia dos trabalhadores dessas plataformas. Especialmente no que diz respeito ao controle sobre os horários e a escolha de atividades.
Entretanto, a decisão do TRT-2 parece refletir uma tendência mais recente de reconhecimento do vínculo empregatício em ações individuais. Assim, movidas contra outras plataformas, como a Rappi e a Levoo, em setembro deste ano. Quando o tribunal reconheceu o vínculo de emprego entre entregadores e essas empresas.
Impactos da Decisão
A decisão do TRT-2 afetará diretamente milhares de entregadores e restaurantes que dependem do iFood. Atualmente, a plataforma conta com cerca de 360 mil entregadores e mais de 380 mil estabelecimentos parceiros.
Em 2023, o iFood gerou uma movimentação de R$ 110,7 bilhões, o que equivale a 0,55% do PIB nacional, e foi responsável pela criação de mais de 900 mil postos de trabalho.
A decisão do tribunal pode impactar significativamente a estrutura do setor de delivery no Brasil, que tem sido amplamente criticado e debatido em relação à regulação trabalhista.
Reação do iFood
Após a decisão, o iFood anunciou que recorrerá da sentença. Em uma nota enviada à Gazeta do Povo, a empresa criticou a decisão do TRT-2. Assim, argumentando que o posicionamento “destoa de decisões recentes do próprio TRT-2”. Além de criar insegurança jurídica para o setor de delivery.
“O posicionamento destoa de decisões recentes do próprio TRT2 e gera insegurança jurídica para o setor de delivery ao estabelecer um modelo de vínculo por hora trabalhada, que não tem previsão na legislação atual e que não seria viável diante da dinâmica flexível e autônoma do trabalho por aplicativo”, diz o texto.
De acordo com a plataforma, o modelo de vínculo por hora trabalhada não tem respaldo na legislação atual. E, seria incompatível com a dinâmica do trabalho autônomo e flexível dos entregadores, que é a base do funcionamento do setor.
A empresa também alegou que a imposição desse modelo de vínculo a uma única empresa prejudica a competitividade do mercado. E, assim, cria assimetrias, uma vez que não é uma solução discutida de forma ampla para todo o setor.
Em sua nota, o iFood destacou que a decisão contraria as discussões em andamento no Congresso Nacional e no Executivo. Ainda, sobre a regulamentação do trabalho intermediado por plataformas, especialmente no que diz respeito à criação de normas específicas para os trabalhadores de aplicativos.
Perspectivas Futuras
A decisão do TRT-2 sobre o iFood coloca em evidência um debate que está longe de ser resolvido. A discussão sobre o vínculo empregatício de entregadores com plataformas como o iFood, Rappi, Uber Eats e outros serviços de entrega tem gerado controvérsias. Assim, tanto no âmbito judicial quanto legislativo.
Enquanto alguns defendem que os trabalhadores desses serviços são autônomos, outros acreditam que a relação de subordinação entre as plataformas e seus entregadores justifica o vínculo empregatício.
A tramitação de projetos de lei, como o PL 12/2024, que está no Congresso, tenta estabelecer regras para o setor. Contudo, incluindo a forma de pagamento por hora trabalhada, mas sem o reconhecimento formal de vínculo empregatício.
Com a decisão do TRT-2, esse debate se torna ainda mais acirrado. E, muitos aguardam uma definição final sobre o modelo de trabalho das plataformas de entrega no Brasil. Que está sendo intensamente discutido em diferentes esferas políticas e jurídicas.
O futuro do setor de delivery no Brasil depende, portanto, de um equilíbrio. Assim, entre a necessidade de garantir direitos trabalhistas e a preservação da flexibilidade que caracteriza o trabalho autônomo nas plataformas digitais.
A decisão do TRT-2, por ora, apenas aumenta a complexidade desse debate. E, ainda, gera incertezas sobre o rumo das regulamentações futuras.